A contabilização de dividendos não acompanhará a harmonização contábil na nova deliberação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre registros de eventos que acontecem após a publicação do balanço da empresa (nº 505). Essa regra foi publicada no último dia 19 de junho juntamente com a 506, que trata de mudanças nas estimativas contábeis e correção de erros. Segundo profissionais que acompanham a evolução das normas de contabilidade no Brasil, as regras da autarquia procuram,novamente, se alinhar ao sistema internacional, e adotam procedimentos do Instituto Brasileiro dosAuditores Independentes (Ibracon).
As novas determinações, que deixam o processo mais claro, fazem parte do esforço do mercado brasileiro para se adequar a regras mais modernas, enquanto espera-se pela aprovação da Lei Contábil,que ainda aguarda aprovação na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados. A505 aborda os eventos que ocorrem no intervalo entre o fechamento de um balanço, em 31 de dezembro de um ano, e a data de sua publicação. Se uma empresa provisionou uma provável perda com um cliente,
por exemplo, que vai à falência em janeiro, antes da divulgação dos números oficiais, passa a ser obrigada a refazer suas contas e apresentar um balanço atualizado.
Os especialistas aprovaram as alterações e dizem que, com exceção dos dividendos, estas seguem estritamente o que é pedido pelos países que integram o Internacional Accounting Standard Board (IASB). O IASB é uma fundação sem fins lucrativos com sede em Londres e que tem por objetivo divulgar normas contábeis. Suas regras são adotadas basicamente por países da Europa, mas já começam a ser seguidas por outras nações, entre elas o Brasil e futuramente os Estados Unidos.
Apesar dos avanços, a legislação brasileira (Lei das Sociedades por Ações) impediu a adequação na questão dos dividendos, contou o sócio de auditoria da KPMG, José Luiz Carvalho. Ele explicou que, no exterior, os proventos somente são registrados no balanço quando são efetivamente pagos. No Brasil a situação é diferente, e a contabilização ocorre no momento em que a distribuição é aprovada pela administração.
O sócio da área de risco e qualidade da PriceWaterhouseCoopers (PwC) e membro da comissão nacional de normas técnicas do Ibracon, Tadeu Cendon, acredita que um dos principais avanços da deliberação 505 é a exigência de que a diretoria assine as demonstrações financeiras, num processo que se aproxima das regras mais rígidas de controle de risco impostas pela lei norte-americana de governança corporativa Sarbanes-Oxley.
O superintendente de normas contábeis e de auditoria da CVM, Antônio Carlos de Santana, diz ainda que,nessa deliberação, a administração é obrigada a checar todos os possíveis eventos subseqüentes comimpacto nos números dez dias antes da previsão de divulgação do balanço, investigando todas as alterações.
Ainda no que diz respeito a essa deliberação, Carvalho conta que a idéia é tornar mais objetiva a maneira como uma empresa reconhece um evento subseqüente ao balanço do ano anterior. A empresa deve mudar seus números, por exemplo, quando obtém a informação, após a data de fechamento das demonstrações, de que um ativo estava deteriorado ou que o montante de um prejuízo por deterioração previamente reconhecido precisa ser ajustado. Um exemplo é a falência posterior de um cliente,confirmando que já existia um prejuízo em uma conta a receber na data do balanço, e que a entidade precisa ajustar o valor contábil da conta a receber.
Na opinião do diretor técnico da comissão de assuntos contábeis da Apimec e gestor de recursosReginaldo Alexandre, a regra 505 não deve trazer muitas mudanças aos balanços, sobretudo porque trata-se de uma teorização sobre práticas que já vinham sendo adotadas pela maioria das empresas. “Na prática isso já existia, mas agora há a obrigação do reconhecimento.” Ele também conta que as revisões de balanços são raras.
No caso da 506, sobre estimativas e correção de erros, Alexandre conta que a deliberação traz um refinamento sobre as práticas das empresas. Elas agora terão de deixar claro o critério utilizado para mudar uma estimativa já feita, e quais os efeitos gerados. Um exemplo de mudança de projeção, diz ele, éa alteração da uma expectativa de vida útil de um ativo, o que determina sua depreciação, ou ainda a exaustão de uma mina de minério. “Os efeitos contábeis em geral ocorrem sobre períodos futuros.”
“O grande impacto no caso de erros é que a empresa deverá apresentar um balanço ajustado do ano anterior, o que anteriormente era feito nos números do ano seguinte”, complementa Carvalho, da KPMG. Cendon, da PwC, acredita que o grande mérito da nova deliberação é a eliminação de potenciais riscos de inconsistências, por meio da criação efetiva de uma regra sobre o assunto. Ele contou também que,apesar de as regras valerem a partir de 1º de janeiro de 2007, as companhias já terão de publicar em 31 de dezembro de 2006, juntamente com os balanços, avisos sobre quais seriam as mudanças para o período caso as novas regras fossem adotadas. As novas determinações seguem as divulgações, em setembro do ano passado, das deliberações 488 e 489, que tratam respectivamente de considerações gerais para a apresentação de demonstrações contábeis e de provisões, passivos, contingências passivas e contingências ativas e procedimento de contabilidade. À época, Santana, da CVM, previa que as próximas normas a serem publicadas seriam sobre contabilização das subvenções governamentais e o valor de recuperação dos ativos, o que não ocorreu.
Ele explicou que o mercado avalia vários assuntos ao mesmo tempo, e que as deliberações 505 e 506acabaram passando à frente das previsões por serem mais simples. Santana contou ainda que, no que concerne à contabilização de subvenções do governo, o próprio IASB decidiu que irá revisar sua regra correspondente, o que paralisou os trabalhos no Brasil. Decisão semelhante ocorreu com a regra sobre divulgação de informações financeiras por segmento de negócios, que estava praticamente pronta e foi suspensa pois o IASB declarou que irá se aproximar das regras dos Estados Unidos.
O superintendente da CVM disse que, além da instrução sobre fundos, em audiência, outros assuntos já estão sendo discutidos em relação a regras de contabilidade. Entre elas está a contabilização de gastos com distribuição de ações ou títulos de dívida.
(Aline Cury Zampieri)