A geração anterior foi condicionada a investir na caderneta

Data Original: 01/05/2014
Postado em: 14 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Reportagens - Revista Nova Bolsa

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No entanto, ela lê. Por volta de 2001, lembra, começou a mudança. Começou aqui e ali a ouvir falar de investimento em ações. Primeiro, foi o gerente do banco que sugeriu diversificar as aplicações; depois, foi um amigo que chamou sua atenção: talvez fosse um bom negócio comprar ações de empresas que estavam sendo privatizadas. Aceitou a proposta do gerente e se convenceu a colocar parte da poupança que até então estava em dólar num fundo multimercado. “Petrobras, Vale, essas coisas bem básicas”, relembra. Mesmo com a crise de 2008, Christiane resolveu não mexer nas suas ações, que já compõem cerca de 20% de sua poupança. “Agora, que recuperou o valor, o gerente do banco sugeriu mudar alguma coisa e eu aceitei”, afirma. Continua achando que é um bom negócio no longo prazo.

Christiane faz parte de uma nova geração de adultos que se motivou com as campanhas de popularização iniciadas há dez anos pela Bolsa e que foram encampadas por um enorme número de instituições do mercado, governamentais e não governamentais. “Quando vi o comercial do Magazine Luiza na televisão oferecendo ações da oferta inicial fiquei interessada”, confessa Christiane. O filho avalia o desempenho dos investimentos – sempre com ar de superioridade, e sempre reprovando a competência dos gestores.

Não foi em casa que nasceu o interesse de Christiane por ações: o pai nunca investiu em bolsa. “Ele não tinha o menor interesse, só queria saber de negócios e imóveis”. Não há registro, salve os avós, de alguém da família que tenha investido em ações. Christiane, como muitos das gerações que cresceram pós-ditadura militar aprendeu o que sabe sobre mercado financeiro nos últimos tempos – mais exatamente, nos últimos 10 anos.

No entanto, Christiane atualmente anda com a mesma dúvida que afeta qualquer brasileiro atento ao comportamento do índice Bovespa, do funcionário da corretora ao ex-presidente da Bovespa. “A Bolsa tá numa fase muito parada”, diz Christiane. “Dá a impressão agora de que agora, com essa economia globalizada, toda a coisa depende muito mais do que acontece nos Estados Unidos ou na Europa”. De fato, ao se completarem 10 anos de megatransformações naquela que se tornaria, em 2008, a terceira bolsa em valor de mercado do mundo, além de já ser a instituição mais importante da América Latina, ressurge o impasse recorrente: como o mercado acionário poderá continuar crescendo?

Com o valor de mercado das ações estimado em US$ 1,5 trilhão, a BM&BOVESPA é a 11 no ranking da Federação Mundial de Bolsas. Mas, negociando mensalmente pouco mais de US$70 bilhões, ocupa a 15 posição. Ou seja, num País com 190 milhões de habitantes e uma das dez maiores economias do mundo, o mercado de ações faz menos sucesso do que o coreano, o espanhol e o australiano – países bem menores. Embora as ações já tenham sido febre no Brasil, em alguns momentos da história, como no final do século 19 e meados do século passado, há 40 anos, a Bolsa de Xangai, onde o capitalismo começou ontem, já está à frente em valor negociado.

A explicação para essa discrepância é simples: embora nosso mercado tenha se tornado importante no cenário global, o movimento ainda deixa a desejar. O número de pessoas físicas chegou a quase um terço dos aplicadores, o que propicia estabilidade e liquidez ao negócio, mas o mercado ainda está longe de ser convidativo o bastante para atrair 50% da poupança de Christiane. E esse porcentual é o recomendado por alguns analistas que pensam numa carteira de longo prazo. “Qualquer reserva de longo prazo deve ter pelo menos a metade do seu valor em renda variável”, acredita Silvio Paixão, professor dos cursos de MBA da Fipecafi. “Renda fixa é um instrumento de preservação de capital”, diz ele. No caso dos aplicadores que se iniciam em ações, eles costumam ter, em média, 30% da carteira nesse papéis.

Fenômeno Cultural

Enfim, a Bolsa ainda precisa de muitas outras Christianes, e mais entusiasmadas, envolvidas numa verdadeira mudança cultural. Afinal, não foi um único elemento que fez que ela se comportasse de forma diferente da geração dos seus pais, mas um conjunto de mudanças que englobou informação, educação e tecnologia. “O sucesso da popularização da Bolsa é um fenômeno cultural”, analista Raymundo Magliano Filho, ex-presidente da antiga Bovespa que lá atrás, em 2001, deu um chute inicial na bola. “A técnica muda de uma hora para outra”, ensina ele, filosófico. “As ideias mudam muito mais lentamente”. O fato é que a percepção de Christiane, mediatas pelas informações que lê na internet e nos sites especializados é que, embora a economia brasileira esteja num momento especial, as incertezas no mundo ainda são grandes.

“Meu gerente recomendou um fundo de ações que tem a ver com negócios que devem ficar aquecidos por causa da Copa”, diz Christinane. “Hotéis, turismo, infraestrutura. Mas não fiquei muito entusiasmada”. Bem ela não é a única. Mas, apesar da precaução típica de uma geração que já sobreviveu a todo tipo de sobressalto econômico, da hiperinflação aos confiscos, dos planos miraculosos à moratória, os brasileiros estão, lenta e irreversivelmente, afluindo à Bolsa.

“Em pleno século 19, os paulistas investiam suas economias nas ferrovias que eram as blue chips da época”, ensina Jorge Caldeira, autor de diversos livros, entre eles Mauá – O empresário do Império e a História do Brasil com empreendedores. Segundo Caldeira, antes da proclamação da República, cerca de 30% da poupança eram ações. “A Bolsa teve um papel importantíssimo no nascimento da indústria no Brasil”, afirma a brasilianista Anne Hanley, autora do livro Native Capital, no qual mostra como na origem a indústria foi financiada pela Bolsa (Revista da Nova Bolsa, edição 9).

Desta vez, o modismo ressurgiu, alimentado pelo grau de informação dos brasileiros (graças à internet e a globalização das comunicações) e, não menos importante, por uma revolução chamada Novo Mercado, que fez toda a bolsa brasileira um modelo global de regulação e governança. “A opinião pública vê a Bolsa, hoje, como um instituição muito diferente do que era no passado”, avalia Modesto Carvalhosa, autor de mais de uma dúzia de livros sobre direito tributário e pioneiro na série de reformas que, a partir da década de 1970 modernizou e deu garantias cada vez maiores ao acionista minoritário “Agora quem julga as empresas é o público, que compra ou ignora suas ações, e não meia dúzia de analistas”.

Todos concordam numa coisa: as mudanças ocorridas na Bolsa nos últimos 10 anos foram uma benção para o desenvolvimento de um moderno mercado de capitais no Brasil. A popularização é parte dos alicerces do mercado. “Começamos com 70 mil pessoas físicas registradas na CBLC e hoje já são mais de 600 mil”, comemora Geraldo Soares, vice-presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Relações com o Investidor (Ibri). O que ainda falta é educação financeira. “A geração anterior foi condicionada a investir na legendária caderneta de poupança”, lembra Geraldo, “e não a considerar que investimento é algo dinâmico, que deve ser controlado por uma pessoa com noções de mercado”.

A geração de Christiane pode ter sido uma das últimas a descobrir que investir é como navegar: é preciso saber a direção e a força dos ventos, fixar o objetivo e coordenar a posição das velas e do leme de acordo com os ventos – que podem mudar a qualquer hora, sob o efeito de tempestades, furacões, forças naturais, convulsões sociais e políticas. Para que os brasileiros de amanhã tenham essas noções, em 450 escolas do Ensino Médio de seis Estados do país, adolescentes já estão tendo aulas de educação financeira. Com resultados surpreendentes.

Os números e os movimentos do mercado mostram que, entre os jovens, o tema finanças está virando assunto nobre – como se observa na Expo Money, com seus 60 mil visitantes em três cidades, as coleções de livros inteiramente dedicadas ao tema do investimento em renda variável, os cursos, palestras ou as feiras de profissões, nas quais as destinadas a mercados fazem muito sucesso. Enfim, finanças estão novamente na moda. E é isso que poderá fazer a diferença lá na frente, inclusive aumentando a historicamente baixa taxa de investimento da economia brasileira.

EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO

“Agora é tudo uma questão de educação e informação”, diz o economista Luiz Forbes. “É preciso que as pessoas vejam que através da Bolsa vão ter um pedacinho da Petrobras, da Vale, do Banco do Brasil”. Nos Estados Unidos, há uma cultura estabelecida não só da bolsa, mas também de fundos mútuos. “Os dados mostram que 45% dos adultos americanos têm, direta ou indiretamente, parte de sua poupança aplicada em ações. Apesar do tsunami financeiro de 2008, há 90 milhões de pessoas nos Estados Unidos com alguma poupança aplicada em fundos mútuos”.

O que mostra a falta de um conhecimento maior do mercado, e de sua importância para o Pais. Afinal, não há país desenvolvido sem um mercado de capitais capaz de sustentar o crescimento a longo prazo e a baixo custo. “Quanto mais liquidez na base, melhor”, diz Forbes. “No cenário em que estamos, acho que cinco milhões de pessoas físicas é um objetivo perfeitamente factível. Se pensarmos que nos Estados Unidos são 90 milhões, então cinco milhões é até uma expectativa conservadora para o Brasil”, afirma sobre as perspectivas da Bolsa de elevar a 5 milhões o número de aplicadores, nos próximos anos.

Outra característica da popularização, visível desde de as primeiras iniciativas, há uma década, é que envolveu uma teia de organizações sociais e instituições, tanto civis como governamentais. Uma delas é a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec). “O crescimento do peso do pequeno investidor, que hoje representa cerca de um terço do mercado, é muito expressivo”, comemora Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec SP. “Mas ainda é insuficiente. Há espaço para crescer mais. É preciso muito mais educação e informação se quisermos ter um mercado mais amplo”.

 

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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