As distribuições secundárias de ações, até recentemente, não eram vistas com bons olhos no Brasil. A quebra deste paradigma ocorreu com a volta dos lançamentos de ações após a recuperação do mercado acionário brasileiro a partir de 2003. Esta retomada rompeu uma seqüência de três anos de baixas, de 2000 a 2002, durante os quais foram numerosos os fechamentos de capital e foram escassas, raras mesmo, as emissões de ações.
O significativo avanço das cotações nos anos mais recentes – motivado por um quadro econômico interno mais sólido e mais promissor e, externamente, por um cenário de farta liquidez e crescimento mundial acelerado – criou, ao reduzir drasticamente o custo de capital, uma situação muita propícia à emissão de novas ações e à distribuição secundária de ações já existentes. Essa condição favorável à captação, no entanto, num primeiro momento, não encontrou muitas companhias com projetos novos ou necessidades cujo financiamento pudesse justificar emissões primárias de ações. Logo, criou-se um espaço privilegiado para que empresas de diversos setores pudessem abrir seu capital por meio da oferta, não de novas ações, mas, preponderantemente, de ações preexistentes. Os lançamentos, então, proliferaram, contribuindo para aumentar as alternativas à disposição do aplicador. Mas não foi esse o único desenvolvimento positivo trazido por esse crescimento das aberturas de capital.
O maior número de empresas, de setores até então inéditos ou quase ausentes, diversificou e vem crescentemente enriquecendo a base do mercado. Os pregões são hoje muito mais representativos e refletem melhor a realidade econômica do país. As distribuições secundárias também têm permitido que fundos de “private equity” saiam de suas posições por meio da abertura do capital das empresas nas quais investiram. Isso também é uma boa mudança, haja vista que os recursos desses fundos – aplicados em empresas nascentes e/ou com promissoras perspectivas de expansão, mas carentes de capital – são importante fator de fomento da atividade econômica.
Outro aspecto relevante é que, por exigência dos investidores tanto locais como estrangeiros, todas as distribuições públicas de ações de companhias brasileiras nos últimos anos trazem forte apelo de governança corporativa. As distribuições públicas de ações, em sua quase totalidade, têm sido feitas sob as normas do Novo Mercado ou, pelo menos, do Nível 2 de governança da Bovespa. As poucas distribuições fora destes níveis têm sido feitas por companhias que, embora formalmente não engajadas nesses segmentos, já seguem suas exigências.
Nesse contexto, salta à vista o fato de em distribuições secundárias – cujos beneficiários finais são os acionistas vendedores, e não as empresas – os custos da eventual abertura de capital e as despesas de estruturação e distribuição dessas operações serem, em alguns casos, contabilizados nas demonstrações financeiras das empresas. Assim, os encargos são distribuídos indistintamente entre todos os acionistas, quando apenas alguns deveriam arcar com esse ônus.
Apenas os gastos incorridos na distribuição pública primária de ações deveriam figurar nas demonstrações contábeis, reduzindo os lucros à disposição dos acionistas. Na distribuição secundária, já que a empresa não vê a cor do dinheiro, que vai para o bolso dos acionistas vendedores, são os acionistas controladores que deveriam arcar sozinhos com os custos da operação. Pode-se argumentar que todos os acionistas têm benefícios com a abertura de capital e/ou com o aumento da visibilidade e da liquidez das ações. No entanto, esses desdobramentos, ainda que ocorram, não descaracterizam o fato de os acionistas vendedores serem os beneficiários diretos da distribuição secundária. Tentar transferir o custo dessas operações à companhia perde de longe em legitimidade, por exemplo, para a cobrança de “royalties” pelo controlador pelo uso de uma marca.
Esses são acidentes de percurso, que não empanam o brilho nem diminuem o alcance dos avanços recentes do mercado acionário brasileiro. Porém, é clara a necessidade de uma vigilância severa por parte de acionistas, órgãos reguladores, companhias, bolsas de valores, auditores, associações profissionais, entre outros, para evitar abusos e deixar o caminho livre para novos desenvolvimentos. A boa governança corporativa não deve se limitar ao cumprimento de ritos formais, mas sim compreender uma relação de profundo respeito e autêntica cooperação entre companhia, acionistas controladores e não controladores e todas as demais partes interessadas.