São notáveis os progressos do mercado acionário brasileiro nos últimos anos. Em muito contribuíram para esses avanços iniciativas que surgiram dentro do próprio mercado, como os níveis diferenciados de negociação da Bovespa, mas também aprimoramentos na legislação e regulamentação, especialmente aqueles voltados para a prevenção e para a redução de conflitos de interesses entre acionistas.
O recente Parecer de Orientação CVM nº 34 insere-se nesse contexto, ao disciplinar – em interpretação do § 1º do artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas – o impedimento de voto em casos de benefício particular em operações de incorporação em que sejam atribuídos diferentes valores para as ações de emissão de companhia envolvida na transação.
O parecer visa também à unificação das espécies de ações, feita em geral para permitir que as empresas adiram aos segmentos diferenciados de negociação da Bovespa. Estes segmentos, especialmente o Novo Mercado, baseiam-se em critérios mais estritos que os da Lei das Sociedades Anônimas e visam a melhorar os padrões de governança corporativa. Por isso, os investidores têm atribuído prêmios às ações das companhias neles listadas.
Essas operações de unificação de classes de ações têm sido apresentadas conjuntamente com operações de incorporação entre empresas ou incorporação de ações.
O que se questiona não é a criação de uma classe única de ações ou a formação de condições para que a companhia possa ascender aos níveis diferenciados de negociações da Bovespa. Na verdade, esse é um movimento desejado, pois implica em melhor alinhamento entre os interesses dos acionistas.
O problema reside nas estruturas que têm sido montadas para levar a cabo essas transações, que nem sempre oferecem uma adequada oportunidade de participação dos acionistas não-controladores no processo decisório.
Em alguns casos, são tomadas por base avaliações que trazem suposições de sobrevalorização de ações detidas por certos acionistas – em geral, os controladores e, em escala menor, outros acionistas detentores de ações ordinárias. Emulam-se nessas operações os efeitos legais de uma transferência de controle. Estabelece-se um prêmio – freqüentemente sem apelo a critérios objetivamente verificáveis, como fluxo de caixa descontado ou outros -, que é dividido entre as ações ordinárias integrantes do bloco de controle e as demais ações ordinárias (estas na proporção de 80%), exatamente como ocorreria, de acordo com a legislação, se o controle da companhia tivesse sido transferido para um terceiro com sobrepreço.
Só que, neste caso, a diferença é arcada pelos acionistas detentores de ações preferenciais, que não têm direito a voto, a partir da fixação de relações de troca não-paritárias. Aprovada a operação, a participação destes acionistas no negócio é reduzida e a dos controladores e demais detentores de ações ordinárias, aumentada. Há, então, nesse caso, uma diferença fundamental em relação a um autêntico processo de venda. Neste, o controle da companhia é transferido a um terceiro, que paga o prêmio de controle, e a participação das ações preferenciais no capital da companhia não é diluída.
Nos casos de incorporação, têm sido apresentadas relações de troca que propõem valores maiores às ações de emissão da companhia que sejam de propriedade da holding incorporadora, mesmo quando o único ativo, ou o único ativo relevante, de tal holding sejam essas mesmas ações de emissão da companhia a ser incorporada. Embora entendendo que a oferta pública de ações (OPA) de permuta – que pressupõe aceitação voluntária – seja o meio mais adequado para a realização dessas operações de migração, o Parecer de Orientação CVM nº 34 não se propõe a reprimir outros meios para a realização dessas operações.
O que o parecer determina é, simplesmente, que sua aprovação dependerá do voto afirmativo da maioria absoluta dos acionistas que não tenham se beneficiado de modo particular pela deliberação. Conforme determina a legislação, esse quórum mínimo poderá ser reduzido pela CVM no caso de companhia aberta com propriedade de ações dispersa no mercado e cujas três últimas assembléias tenham sido realizadas com a presença de acionistas representando menos da metade das ações com direito a voto.
Essas estruturas assimétricas, em vista da variedade de situações no mercado em que poderiam ser aplicadas no futuro, estavam criando precedentes na contramão dos avanços do mercado acionário brasileiro. Nesse sentido, a emissão do Parecer de Orientação nº 34 traz uma saudável correção de rota.