A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública uma minuta com vistas à substituição da atual Instrução 202. O prazo para manifestação de opiniões se esgotou recentemente. Embora o texto tratasse de vários assuntos relativos ao registro de companhias para negociação de seus valores mobiliários, propondo inclusive inovações há muito tempo aguardadas pelo mercado – como o aprimoramento de documentos publicados pelas empresas de capital aberto -, as atenções acabaram se concentrando em único ponto: a exigência de divulgação individualizada da remuneração dos administradores.
A proposta está alinhada à tendência internacional de dar transparência às informações sobre a remuneração dos administradores. Prevalece hoje nos principais mercados o entendimento de que o acionista deve ter uma visão clara e abrangente dos estímulos remuneratórios a que estão sujeitos os administradores de empresas abertas.
Essa nova postura dos reguladores possivelmente foi motivada não apenas pelas cifras cintilantes que tais remunerações alcançaram em alguns casos, mas, principalmente, pela suspeita de que incentivos remuneratórios de caráter variável poderiam estar levando administradores a assumir riscos e a privilegiar medidas voltadas à maximização de resultados de curto prazo em sacrifício do crescimento sustentável das companhias no longo prazo. Infelizmente, mundo afora, a crise financeira internacional deixa uma fartura de exemplos que corroboram esse ponto de vista.
Entre nós, a resistência à divulgação dessas informações tem sido grande. Alegam-se desde razões de segurança até questões culturais, passando pela sugestão de que a publicação desses dados poderia municiar concorrentes com informações valiosas acerca dos ganhos dos principais executivos, dificultando sua retenção pelas empresas.
Ainda que sejam sensatas, essas alegações não resistem a uma análise mais cuidadosa. A nova exigência não agravaria dramaticamente o problema de segurança já estabelecido, já que os nomes dos administradores e a remuneração do conjunto dos órgãos da administração já são publicados pelas companhias. O mesmo se pode dizer em relação à exposição dos padrões de remuneração dos executivos à concorrência, uma vez que, além das informações já disponibilizadas, “head hunters” experientes contam com outros meios para atingir seus objetivos.
O argumento de que não seria de nosso perfil cultural dar publicidade a esse tipo de assunto é anacrônico. É uma reminiscência daquele atavismo, tão bem descrito por nossos antropólogos, de confusão e mescla indevida entre interesse privado e interesse público. Chama a atenção a similaridade entre este caso e aquele dos servidores públicos municipais da cidade de São Paulo, cuja federação recentemente requereu em juízo – com base em arrazoado semelhante àquele dos opositores à divulgação da remuneração dos executivos das empresas abertas – a suspensão da publicação da lista de seus vencimentos.
É relevante para o acionista e para o investidor saber quanto ganham e como se forma a remuneração dos administradores, pois são estes que selecionam estratégias, elegem prioridades, definem políticas de investimento e, assim, moldam os alicerces sobre os quais se assentarão a solvência, o crescimento e a sustentação da empresa no longo prazo. Daí a essencialidade de que o interesse do administrador esteja alinhado ao do acionista.
À parte motivações pessoais, é a remuneração o principal incentivo para que o administrador desempenhe adequadamente seu papel. A maior parcela dos ganhos da administração, hoje, é de caráter variável, o que torna essencial uma abertura criteriosa dos parâmetros dessa remuneração, de preferência não só dos administradores, mas também de outros profissionais da empresa para os quais tais ganhos sejam relevantes.
Há necessidade de divulgação da remuneração por órgão da administração e por administrador simplesmente porque é comum a concentração de estímulos, com disparidades significativas entre os valores atribuíveis ao conselho de administração, à diretoria e ao conselho fiscal, assim como entre os membros de cada órgão.
O padrão de remuneração dos administradores é importante parâmetro para a avaliação de risco do negócio. A incompatibilidade de interesses nessa questão pode ter consequências nefastas para as empresas e para seus acionistas. Louvem-se, por fim, as atitudes pioneiras de Banrisul e Usiminas, companhias que, independentemente de imposição normativa, já passaram a oferecer informações detalhadas sobre os ganhos de seus administradores.