A que e a quem serve o período de silêncio nas ofertas públicas?

Data Original: 20/07/2010
Postado em: 15 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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De boas intenções está pavimentado o caminho do inferno. Não passam despercebidas aquelas situações nas quais, em nome de uma suposta proteção ou de uma ordem de coisas julgada mais correta, perpetuam-se iniquidades e constrangimentos maiores do que aqueles que se pretendia evitar.

Circunstâncias como essas permeiam a sociedade. O mundo corporativo não escapa delas. No mercado de capitais, chama a atenção o período de silêncio a que teriam que se submeter todos os agentes envolvidos em distribuições públicas – notadamente de ações. Estabelece-se esse período de silêncio com o objetivo de dispensar tratamento equitativo às diversas classes de investidores, evitando-se avanços de sinal por parte quer dos emissores, quer dos organizadores da oferta. Todos, durante certo período, permaneceriam silentes sobre a operação.

A sede de informação por parte dos potenciais subscritores das ações teria que ser saciada por um conjunto limitado de dados, especialmente no caso de emissões de empresas que estréiam no mercado, por não terem histórico como companhias abertas nem acompanhamento prévio por parte de analistas.

Esse conjunto de dados é agrupado num prospecto de distribuição pública de ações, completado pelo formulário de referência. Embora, de uma forma geral, sejam escritos em linguagem prolixa e empolada, os prospectos são peças importantes. Mas eles pecam em alguns aspectos essenciais. Em particular, são geralmente carentes de informações em relação ao futuro, que é onde reside o interesse do investidor.

A colocação de valores mobiliários é precedida normalmente por apresentações (os chamados road shows) que são feitas pela empresa emissora e acompanhadas por representantes das instituições financeiras que organizam a oferta. Essas apresentações têm como foco exclusivo os investidores institucionais, locais e internacionais. Os investidores individuais contam unicamente com as informações do prospecto, caracterizando uma dicotomia em relação aos institucionais. São estes últimos, aliás, que – por meio da manifestação de suas intenções de compra (bookbuilding) – costumam formar o preço da emissão.

Há muitos e legítimos interesses em jogo. Os organizadores da oferta têm que ter uma ideia bastante firme em relação à companhia e ao valor pelo qual suas ações poderão ser lançadas, por isso a dissecam e costumam estabelecer um intervalo de valor indicativo para os títulos a serem lançados. Já a companhia tem o justo interesse de vender suas ações pelo melhor preço possível, devendo, para tanto, municiar esses investidores que formarão o preço de emissão com informações que lhes permita uma aferição adequada de valor.

Os reguladores e autorreguladores não têm condições de controlar as informações que fluem nesse circuito restrito. O manto do período de silêncio impede o acesso a esses dados (já que não são publicados), ao mesmo tempo em que fere a isonomia de tratamento a investidores. Uns passam a ter mais ou, pelo menos, melhores informações que outros.

Mesmo que supuséssemos que os homens e as mulheres de negócios envolvidos nessas operações resistissem a ir além com a mesma tenacidade com que São Jerônimo enfrentava tentações libidinosas, e visassem com a documentação apresentada a investidores institucionais apenas para esclarecer pontos do prospecto, ainda assim haveria uma assimetria de informação em favor dos investidores institucionais.

O período de silêncio é uma amarra desnecessária. Ele não só conspira contra aqueles aos quais visaria proteger, principalmente os aplicadores individuais, mas também obstrui a fluidez de informações para a avaliação dos riscos e dos potenciais de ganho de cada emissor.

Seria mais apropriado e mais racional que, em vez de proibir, os reguladores e autorreguladores exigissem a publicação de toda a informação disponível sobre o emissor e sobre a emissão (apresentações, relatórios de marketing e de pesquisa, agendas de road shows etc). A identificação de abusos, procedimentos inadequados e avanços indevidos de sinal seria muito mais fácil e imediata num ambiente de “full disclosure” como esse.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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