Uma das perguntas mais frequentes que o professor de finanças do Insper Michael Viriato Araújo escuta de investidores é: o que eu posso comprar na bolsa e esquecer? A resposta, segundo o especialista, é simples e curta: nada. “Renda variável precisa ser sempre acompanhada, pois é feita de ativos de risco”, afirma. “Escolher uma empresa não significa casar com ela”, brinca a analista da Coinvalores Sandra Peres.
Mas isso não quer dizer que o investidor pouco afeito ao vaivém dos pregões deva ficar necessariamente longe da bolsa. É possível montar uma carteira de longo prazo mesmo distante do burburinho diário do mercado. Não dá, de fato, para “esquecer” a carteira de ações, mas o acompanhamento pode ser feito em períodos mais longos, como, por exemplo, a avaliação anual da performance dos papéis que foram escolhidos.
O analista da XP Investimentos William Castro Alves também ressalta que as próprias características do mercado brasileiro dificultam a montagem de carteiras para “esquecer”, o tradicional estilo “buy and hold” (comprar e manter) tão comum nos Estados Unidos. Mercados emergentes, apesar de todos os problemas vividos pelos países desenvolvidos no momento, ainda oferecem menos estabilidade e previsibilidade aos investidores, ressalta Alves. Essa situação torna realmente muito mais arriscada a estratégia pura de “buy and hold”, mas não impede a montagem de uma carteira de ações que mire em um prazo de cinco anos, por exemplo.
Feitas as ressalvas sobre a necessidade de se verificar periodicamente o desempenho das ações de empresas escolhidas, como montar, neste momento turbulento do mercado acionários brasileiro, uma carteira de longo prazo? Segundo o professor do Insper, um portfólio, para ser carregado por mais tempo, precisa ser diversificado, ou seja, ser composto por ações de várias empresas “Eu indicaria uma carteira com pelo menos 15 ações, pois se ocorrer algum problema com uma delas, o impacto da queda no peso geral [da carteira] seria pequeno”, afirma.
Outro ponto levantado pelos especialistas é o equilíbrio. O investidor deve sempre buscar balancear suas aplicações, evitando manter-se refém de apenas um setor da economia. O chefe de análise da SLW Corretora, Pedro Galdi, segue o ensinamento ao montar as sugestões de carteira recomendada para seus clientes. Hoje, por exemplo, ele compõe o portfólio com uma mistura de papéis considerados defensivos – que sofrem menos quando o Índice Bovespa recua – com papéis de empresas que vendem commodities e, por isso, tendem a ter desempenho superior ao do Ibovespa em tempos de bonança. “Quando a bolsa está em baixa, as ações que pagam bons dividendos sobem. Quando está em alta, é a vez das commodities”, explica Galdi.
Previsibilidade também é outro fator-chave na montagem de um portfólio para o longo prazo. Isso se traduz na opção por ações de empresas com receitas e geração de caixa mais estáveis, quer dizer, que não sofram tanto com as mudanças do ciclo econômico. “Mesmo em momentos adversos, essas companhias não deixam de entregar resultados”, afirma Castro Alves, da XP. Já Sandra, da Coinvalores, inclui também o baixo endividamento entre seus requisitos para escolher as companhias mais apropriadas para uma carteira de fôlego maior.
Além de observar resultados e indicadores, o investidor deve prestar muita atenção, dizem os especialistas, ao time de gestores das companhias. Não se pode nunca esquecer que as empresas são feitas de pessoas, ressalta Reginaldo Alexandre, sócio da consultoria Proxycon e presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais em São Paulo (Apimec-SP). “Não adianta nada estar em um bom setor, se o controlador tomar medidas, por exemplo, para diminuir a fatia dos minoritários no capital da empresa”, afirma.
A questão, nesse caso, envolve a chamada governança corporativa. “A companhia deve ser transparente, ter uma administração diligente e bons sistemas de controle”, diz Alexandre. Outro fator que deve ser uma vantagem competitiva, ressalta ele, é a escolha de empresas que operam em setores com barreiras de entrada, ou seja, com poucos concorrentes, e que tenham fatias relevantes nos mercados em que atuam.
Insper, Coinvalores, SLW e XP montaram sugestões de carteiras de longo prazo. A mineradora Vale está em todas. O professor Araújo, do Insper, diz que, apesar das perspectivas de desaceleração no crescimento da China, o país asiático ainda vai se expandir em um bom ritmo nos próximos anos, o que deve garantir o avanço das vendas de minério de ferro pela Vale. “A empresa tem múltiplos baratos, boas perspectivas de produção e paga bons dividendos”, afirma ele. No setor de commodities, também são recomendadas as ações das siderúrgicas CSN e Gerdau, além da Petrobras, apesar da falta de fôlego crônica das ações de 2010 para cá.
Sandra, da Coinvalores, diz que a Petrobras está capitalizada, com confortável situação de endividamento e deve realizar uma das maiores campanhas exploratórias do setor no planeta na chamada camada pré-sal. “Fatores como atrasos na entrega de equipamentos, escassez de mão de obra qualificada e pressão no segmento de abastecimento representam entraves de curto prazo, mas, para o longo prazo, vislumbramos relevante crescimento produtivo para a companhia”, afirma a analista.
CSN e Gerdau, segundo os especialistas, ganharão com os investimentos previstos em infraestrutura para os próximos anos tanto no Brasil como em outras economias em desenvolvimento, que devem manter a demanda por aço em níveis elevados.
Ações de energia elétrica e telefonia também foram bastante citadas, por se enquadrarem no quesito de previsão de fluxo de caixa e pagamento de dividendos. Cemig está em três das quatro carteiras. AES Tietê, Energias do Brasil, Tractebel e Coelce também são citadas. “A Cemig tem um caixa forte, atuação variada dentro do segmento de energia e uma receita previsível”, diz Sandra, da Coinvalores. Já a AES Tietê possui a vantagem de operar no Estado mais industrializado do país, São Paulo, afirma Castro Alves, da XP.
Entre as empresas de telefonia, Telefônica e Oi aparecem nos portfólios. “A Oi anunciou recentemente um pagamento de R$ 2 bilhões em dividendos”, afirma Pedro Galdi, da SLW. Telefônica, ressalta ele, também tem a vantagem de operar no Estado de São Paulo, o que garante um grande mercado consumidor.
O segmento de consumo, que oferece a proteção do crescimento econômico brasileiro, tem muitas opções. Nas listas estão Ambev, Renner, Natura, BR Malls, Aliansce, Pão de Açúcar e Ultrapar. A empresa de bebidas e os shoppings centers são os mais citados.
Ambev representa um tipo de consumo inelástico, ou seja, que sofre menos com as variações do ritmo de crescimento da economia. Já os shoppings têm garantia de renda firme com os aluguéis das lojas, que, lembra Sandra, da Coinvalores, são reajustados pela inflação. “E mesmo que o consumo se retraia um pouco, os lojistas não vão simplesmente deixar seus pontos de venda”, continua. Segundo a analista, há previsão de construção de 16 shoppings no Brasil apenas este ano.
Outro segmento que não foi esquecido é o financeiro. Itaúsa, Bradesco, Itaú e Cielo entraram nas listas. “Apesar de a inadimplência ainda ser um risco, o setor financeiro está barato”, diz Araújo, do Insper. Bradesco foi a escolha da Coinvalores.” O banco é sólido e tem bom desempenho operacional”, afirma Sandra.
Antes de sair comprando os papéis citados por analistas e corretoras, as pessoas devem ter em mente, como salienta o professor Araújo, que o mercado acionário é um investimento arriscado. As perspectivas para o desempenho das ações mudam de acordo com o ambiente econômico e questões específicas dos setores e das próprias empresas. Se não dá para “casar” com a bolsa, é possível, ao menos, manter um convívio de longo prazo, discutindo de tempos em tempos a “relação”. (Por Aline Cury Zampieri)