Mercados sofrem com Europa, mas estão longe do piso

Data Original: 29/05/2012
Postado em: 17 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
-Categoria(s)

Reportagens - Valor Econômico

- Marcado com Tags:

A situação está complicada para os mercados de ações mundiais, incluindo o brasileiro, mas poderia estar bem pior. No último bimestre, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) acompanhou um retorno de nervosismo global, com o agravamento das preocupações sobre a situação da Europa, e o Ibovespa despencou nada menos que 19,3% entre seu topo, em 13 de março, e o fechamento de ontem. Até meados de março, com a injeção de liquidez promovida pelo Banco Central Europeu (BCE) no apagar das luzes de 2011, o principal índice da praça paulista havia disparado 20,5%. Neste ano, a perda fica em 2,7%.

Os alertas vermelhos foram disparados por todos os lados e o investidor em ações no Brasil viu uma forte saída de aplicações de estrangeiros. Todos os gestores recomendam carteiras com ações voltadas à economia local e defensivas que, mesmo em meio a turbulências, garantam algum tipo de rendimento.

Nesse momento, muitos se perguntam se o fundo do poço está próximo. Mas um levantamento feito pelo Valor com base em dados históricos do MSCI, provedor líder de ferramentas financeiras para decisões de investimento no mundo, mostra que nem o Brasil, nem os Estados Unidos, nem a Europa estão no piso quando o assunto é investimento em ações. Por pior que seja o sentimento dos mercados das últimas semanas, os índices estão apenas no meio do caminho entre as máximas e as mínimas dos últimos cinco anos.

O MSCI Brasil, por exemplo, fechou em 2.575 pontos ontem, no meio do intervalo que vai de 4.727 pontos em 19 de maio de 2008 e 1.286 pontos, atingido em 21 de novembro de 2008. Já o MSCI Europa situa-se em 1.195 pontos, entre um intervalo de 2.235 pontos e 794 pontos (ver tabela).

Para a maioria dos especialistas consultados, os índices ainda não chegaram ao piso porque a crise de 2008 foi mais forte que a atual. “Os problemas de 2008 foram mais agudos e dramáticos”, diz o analista chefe da Bradesco Corretora, Carlos Firetti. Ele lembra que a crise anterior afetou os Estados Unidos, que possuem uma importância maior em termos econômicos e financeiros mundiais. “Além disso, a crise atual está começando pelas beiradas da Europa, e não por seus países centrais. Não é uma crise que tem como centro economias maiores, como Alemanha ou França”, comenta.

De acordo com ele, antes de os EUA anunciarem o primeiro pacote de estímulo econômico, questionava-se a própria sustentabilidade de bancos importantes para a economia mundial. “O crédito paralisou de forma mais importante que agora”, acredita.

Além disso, em 2008 o mercado se viu às voltas com uma ruptura mais forte do processo econômico, diz o sócio da consultoria Proxycon e presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais em São Paulo (Apimec-SP), Reginaldo Alexandre. No ano de estouro da crise, o mundo vinha de uma fase de crescimento forte e tudo mudou muito rapidamente, o que afetou bancos, fluxos financeiros globais e provocou uma queda enorme de expectativa.

“O desarranjo foi mais severo e desorganizou os mercados físicos”, afirma. “Agora há certa preocupação, mas não chega a ter a abrangência, nem o impacto desorganizador da primeira crise. Há também um processo de ajuste. Muita coisa já aconteceu de lá para cá.” Ele lembra que o mercado de minério de ferro, por exemplo, ficou completamente desorganizado, com queda de volumes vendidos.

Para o diretor executivo de pesquisa de índices da MSCI, Raman Subramanian, a crise das hipotecas subprime em 2008 gerou uma fuga para a qualidade mais forte, com as pessoas tirando dinheiro e colocando em mercados considerados mais seguros.

O professor da Brazilian Business School, Ricardo Della Santina Torres, vai na contramão e acredita que a crise atual é mais grave que a anterior, mas muitos investidores ainda não se deram conta disso. “É uma continuação dos problemas de 2008, que não foram resolvidos”, diz. Na visão dele, o problema original, dos bancos, foi transferido para os governos, mas os créditos podres permaneceram nos balanços das instituições financeiras. “As medidas que já foram tomadas deveriam ter sido acompanhadas de mais atividades dos governos para corrigir os problemas, o que ainda não aconteceu.”

“Os governos cavaram um buraco fundo com o aumento da base monetária ao tomarem as medidas de estímulo monetário, para tapar vários buraquinhos”, afirma ele.

“A crise de 2008 não foi resolvida. Os programas de estímulo foram apenas calmantes para irrigar o sistema. Não era um remédio, era só uma solução temporária para uma crise aguda.”

Entre os MCSIs pesquisados, todos denominados em dólares, o Brasil teve a maior queda desde o topo, de 45,5%, perdendo apenas para a Europa, que recuou 46,5% (ver tabela). Mas a recuperação esteve entre as maiores, de 100,2%, à frente da Europa (50,5%) e do índice global (73%). Os Estados Unidos, foco do estouro da crise, tiveram o índice destaque de performance. A queda foi de 14,9% em relação ao pico, e a recuperação foi de 95,2%.

Para Subramanian, da MSCI, o câmbio é um importante fator de volatilidade para o índice brasileiro. “A recuperação em dólares do indicador brasileiro foi maior que a local.” O Ibovespa, desde o fundo, teve alta de 76,7%. Firetti, da Bradesco Corretora, acrescenta que o mercado brasileiro tem um beta mais alto, ou seja, um coeficiente de volatilidade maior. Isso faz com que oscile mais que outros indicadores. “É um mercado de extremos”, resume.

Alexandre, da Apimec, acrescenta o peso das commodities em tudo o que se refira a ações no Brasil. “Nossas maiores empresas da bolsa têm dinâmicas de valorização ligadas a preços de materiais básicos, como Vale e Petrobras.”

No caso dos Estados Unidos, a visão de que o país é o único porto seguro com liquidez faz com que o índice fique menos volátil, mesmo numa crise causada pelos americanos. “Na época da primeira crise, os investidores compraram dólares e bônus dos Estados Unidos, pois não tinham para onde ir”, diz Alexandre.

Para os especialistas, o Ibovespa só buscará o fundo do poço se a crise na Europa se agravar, com uma saída da Grécia afetando outros países e gerando um contágio sistêmico. “O nosso mercado mudou de nível e nossa economia teve um crescimento forte. Apesar dos resultados mais fracos no primeiro trimestre do ano, nossas empresas continuam se expandindo”, diz Firetti, do Bradesco. Na visão dele, os políticos europeus tentarão a qualquer custo evitar a saída da Grécia do bloco. Ele também não vê problemas sérios de liquidez nos bancos da região.

“Apesar de tudo o que está acontecendo, as empresas brasileiras estão gerando resultado”, reforça Alexandre, da Apimec.

“O nível relativo dos preços das empresas em bolsa está mais baixo, há muitos papéis atraentes”, diz. “Mas se a crise na Europa piorar, certamente teremos efeitos negativos sobre esse mercado”, afirma ele. (Por Aline Cury Zampieri)

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

Powered by JCA Consulting – jcaconsulting.net.br