O Ibovespa está se descolando cada vez mais do comportamento dos índices acionários dos Estados Unidos. Estudo feito pela Guide Investimentos a pedido do Valor mostra que a correlação entre Ibovespa e S&P500 vem caindo desde o estouro da crise financeira mundial, em 2008, e atingiu a mínima em abril deste ano. A correlação mede o grau de aderência entre dois ativos. Quanto mais próxima de 1, mais os ativos caminham juntos. Quanto mais próxima de -1, mais andam em direções opostas.
No caso de Ibovespa e S&P500, a ligação ainda é positiva, mas vem caindo gradativamente. Passou da máxima de 0,87 em 16 de setembro de 2009 para a mínima de 0,26 em 15 de abril deste ano. Em 2009, ambos os mercados caíam, sentindo os efeitos da crise. Desde então, o Ibovespa tem mostrado comportamento bem mais volátil. Em abril último, o índice brasileiro passava por forte rali, motivado por expectativas em relação à corrida presidencial, após ter caído bastante. O S&P500, entretanto, mantém trajetória de alta leve, mas consistente, desde a queda de 2009.
Analistas comentam que, cada vez mais, o Ibovespa traça rumos próprios, afetado por questões como uma mudança no ritmo de distribuição de capitais pelo mundo após a crise, influências da China e por ruídos na política econômica local. O sócio da Canepa Asset Management, Alexandre Póvoa, atribui essa redução da correlação ao que classifica como um “período anormal” nas políticas monetárias mundiais.
Segundo ele, a crise financeira mundial atingiu os mercados mais desenvolvidos e, logo após as reações mais nervosas, fez com que uma massa de dinheiro se deslocasse de maneira muito rápida pelo mundo. “Os investidores ficaram meio perdidos, com muito dinheiro envolvido e uma dúvida enorme sobre a recuperação dos países”, afirma.
Essa nova situação provocou movimentos diferenciados na distribuição de recursos pelo mundo, e que deixou muitas vezes Brasil e Estados Unidos em pontas opostas. “Houve descolamento de recursos de países em desenvolvimento para os desenvolvidos”, complementa o presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) e sócio da Proxycon, Reginaldo Alexandre. Esse efeito é sentido até hoje e está ligado a expansões econômicas, diz. “As taxas de crescimento nos emergentes caíram e estão em linha com os mercados desenvolvidos, o que provoca deslocamento de recursos para os EUA”, afirma.
Ainda na discussão sobre fluxos “anormais”, Fabio Galdino de Carvalho, operador-sênior da Guide Investimentos, lembra que, de 2012 até o começo deste ano, o Ibovespa também sofreu um golpe extra com as notícias de que os Estados Unidos iriam diminuir as compras de bônus, que garantiram, em parte, essa forte liquidez do pós-crise. Ele comenta que o início dos cortes de compras (conhecido por “tapering”) marcou o pior momento do mercado de ações brasileiro. “A Bolsa perdeu 30% em dólares no ano passado.”
Além disso, por causa do grande peso de papéis de empresas de commodities no Ibovespa, os efeitos da desaceleração da economia chinesa são muito mais percebidos pelo mercado de ações local. “A taxa de expansão da economia chinesa tem diminuído, o que afeta as commodities e ações de peso como Vale e siderúrgicas”, lembra Alexandre, da Apimec. Ao longo desses últimos anos, outro fator que contribuiu para o Ibovespa descolar do exterior foi o comportamento das ações do grupo X, de Eike Batista, afirma ele.
No ano passado, o descolamento se intensificou com um estresse entre governo federal e mercado financeiro. Investidores venderam ações de elétricas, bancos e de companhias com controle estatal, após medidas do governo que afetaram esses segmentos. E, neste ano, a correlação diminui ainda mais justamente porque o Ibovespa se recupera fortemente de um piso atingido em meados de março em função desses problemas. Esperançosos em relação a uma mudança nas eleições presidenciais, investidores voltaram a comprar ações brasileiras, num ritmo forte que se aproxima dos 20% desde 14 de março. Segundo Póvoa, o mercado ficou sobrevendido em Brasil e, após ver chances de alteração no poder volta a comprar. “A quantidade anormal de liquidez no mundo relativiza fundamentos”, afirma.
Alexandre, da Apimec, diz acreditar que o movimento geral de destino de recursos para países desenvolvidos não se esgotou ainda, já que EUA e Europa estão se recuperando. Ele acredita que essa assimetria entre Brasil e Estados Unidos prevalecerá durante algum tempo, pois os mercados local e internacional tiveram evoluções muito distintas. “A era do crescimento sincronizado passou”, comenta.
Além disso, lembra Carvalho, da Guide, os efeitos potenciais de volatilidade no Brasil devem permanecer ao menos até o ano que vem. “Em 2014 temos eleições e, em 2015, teremos um ano difícil, um cenário bastante desafiador. Questões como o represamento de preços de combustível e de energia elétrica estarão em pauta”, disse.