Balanço trouxe ‘perdão’ ao passado

Postado em: 29 de abril de 2015 por: Reginaldo Alexandre
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O balanço da Petrobras de 2014 trouxe um atívio aos ex-adminis­tradores da estatal e também às fir­mas de auditoria que lá atuaram de 2008 até hoje. Os ajustes reali­zados, de R$ 51 bilhões ou 6,5% dos ativos, não permitem qualquer avaliação a respeito de ineficien­cias ou supe_rfaturamentos que te­nham ocorrido no passado. A preocupação dos administra­dores e dos auditores deve-se às in­vestigações sobre possível falta de diligencia na contratação de obras com as construtoras investigadas pela Operação Lava-Jato do Minis­tério Público Federal (MPF)-e na sua contabilizaçao.

Há investiga­ções na Comissão de Valores Mobi­liários ( CVJ\lf) sobre o tema, e tam­bém uma aciio de investidores de ADRs na B􀄏]sa de Nova York na corte americana, cm busca de res­sarcimento pela queda nas açocs. A explicação para o alívio que o balanço de 2014 traz aos ex-admi­nistradores ( exceto os já denun­ciados) e aos auditores está no método usado para os ajustes. Até 2011, a empresa foi avaliada pela KPMG e a partir de 2012, pela PvvC. Ambas atestaram não só os números mas também os contro­les internos da companhia. No balanço de 2014, por conta da Lava-Jato, a Petrobras corrigiu o valor de seus ativos cm R$ 6,2 bilhões. Este foi o total atribuído a “pagamentos indevidos”. Ao 􀀬a­zcr tal correção, a estatal admite que houve 3% de sobrepreço nos contratados com as constmtoras investigadas pelo MPF.

A empresa- adotou essa taxa a partir de depoimentos de ex-exe­cutivos que foram presos e fizeram acordo de delação premiada, na ausência de solução melhor. Esse tratamento não era obrigatório. O percentual de 3% não é consi­derado ”materialmente relevante” -conceito da contabilidade inter­nacional – e poderia ter passado aos olhos dos auditores e da admi­nistração. Assim, aponta especia­lista que preferiu nao se identifi­car, estariam todos ‘ perdoados” por não notarem a corrupção.

Restaria o teste da capacidade de recuperação do valor contábil dos ativos – o chamado “teste de impaim1ent” – para verificar se além dos 3% delatados haveria mais indícios de superfatura­men to. A avaliação é anual. A Petrobras fez uma baixa por “impairmem” de R$ 44,5 bilhões para 20]4. Do total, R$ 31 bilhões (70%) vieram de do Complexo Pe­troqüímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Refinaria Abreu e Lima(Rncst)-as obras mais polê­micas, cm função de orçamentos elevados e constantemente am­pliados ao longo dos anos.

Mas esse ajuste de R5 31 bilhões só foi possível porque elas foram retiradas da Unidade Geradora de Caixa (UGC) Refino – grupo com as I 5 refinarias da companhia. Há 15 anos, desde que listou as acões na Bolsa de Nova York(Nyse) e 􀅄omeçou a fazer tal teste para a contabilidade daquele país, a Pe­t:robras divide seus ativos por UGC, método reconhecido pela contabi­lidade. Não se trata de novidade. As refinarias são avaliadas jun­tas porque a gestão é integrada, alega a Petrobras. Inclusive a lo­gística e os custos. Não seria viável avaliar cada uma delas porque se­quer os dados são coletados as­sim pela companhia – é o que alegam administração e auditor. Assim, o modelo adotado pela Pe­trobras dificulta essa verificação.

Comperj e Rnest foram retira-das da UGC porque, no começo deste ano, a Pctrobras decidiu pa­ralisar estas obras, após a queda no preço internacional do pe􀁮óleo. Ou seja, o futuro nao garantia ren­tabilídade. Mas não há avaliação sobre se o passado responde por parte dessa falta de perspectiva de recuperação do valor investido. Há exatamente um ano, o pla­no da estatal era investir quase U$S 40 bilhões nessas obras até 2018. Consultada, a Petrobras nao informou quanto jâ foi iiwestido. O mémdo usado pela Petrobras atesta apenas que, ainda que te­nha ocorrido superfaturarnento, é possível recuperar o investimento – na condição atual de mercado – com a operação integrada das refinarias. Não garante que não houve superfat.uramento. Mas tampouco indica sua existência.

Assim, o balanço da Petrobras, isoladamente, nao aponta para problemas de controles intc􀂒o􀂓 e falhas na diligência dos admm1s­ tradores -exceto pelos RS 6,2 bi­lhões corrigidos, menos de 1% dos ativos totais, de R$ 800 bilhões.

Para especialista ouvido pelo Valor, uma baíxa na UGC Refino sem ser feita por paralisação de obra levantaria uma bandeira nes­sa direçao e suscitaria questiona­mentos, em função da Lava-Jato. Os conselheiros de administra­ção que rejeitaram o balanço de 2014 – Mauro Cunha e Silvio Si­nedino – argumentam nos seus votos que diante do cenário atual seria importante a companhia avaliar separadamente ao menos a primeira fase da Rnest. Os moti­vos para a suspeita sobre essa refi­naria constam do voto desses conselheiros.

A opção por só apresentar o cálculo da GC Refino também foi ponto central da negativa dos dois conselheiros fiscais dos minoritários – Walter Albertoni e Reginaldo Alexandre. Consta no voto de Sinedino, membro deito pelos funcionários da estatal, que a primeira fase da Rnest custou de US$ 81 mil por barril refinado frente a um custo médio internacional de US$ 35 mil – um adicional de 130%. Não é possível afirmar que o so­brepreço seja causado por superfa­turamcnto de contratos.

Há diver­sas possibilidades, como ineficicn­cias, conteúdo nacional obrigató­rio e ainda pressa-já que o inves­timento n1aciço em refino era pla­nos do governo para o Brasil. Cunha alega em seu voto que a Rnesc está registrada nos livros da Petrobras ao “impressionante” múltiplo de 27 vezes o Ebitda (lu­cro antes de juros impostos.depre­ciação e amortização), conforme os números levados pela adminis­traçao ao conselho. Após a baixa de 2014, esse indicador cai para 22 vezes- “ainda superior a qualquer parâmetro aceitável”, segundo ele. Na prática, a soma das avalia­ções individuais deveria ser o mes­mo da UGC , pois as sinergias da gestão integrada já estão na opera­çao.

Para uma análise individual, bastaria separar a capacidade da Rnest e aplicar o mesmo modelo de fluxo de caixa descontado usa­do para a UGC. É essa a crítica e o motivo dos conselheiros descon­tentes. Para eles, a conta é possível, e a opção foi diluir a Rnest na UGC. O balanço de 2014da Pe,trobras traz também uma lição para ana­listas de ações e de dívida, e tam­bém para investidores. Os riscos de obras tão caras – cujos investi­mentos eram públicos e destaca­dos pela estatal – não foram ade­quadamente medidos. Havia críti­cas, mas não se ouviu previsão de baixas relevantes nos balanços.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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