A confirmação de uma alta consistente na Bolsa de Valores pode fazer de 2004 um ano marcado pelo renascimento das ofertas de ações, com novas emissões e a entrada de mais empresas no mercado de capitais.
O ano 2004 pode se tornar histórico para o mercado de ações. Na opinião de especialistas, a alta da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) em 2003 pavimentou um caminho promissor para a entrada de novas empresas. Com a continuidade dos ganhos verificada no começo deste ano, algumas propostas de emissões de ações finalmente começaram a sair do forno. Consultorias e bancos que auxiliam as companhias nessa tarefa afirmam que ainda pode haver muito mais em vista.
O principal índice de liquidez da Bovespa, o lbovespa, teve valorização de 97,33% em 2003, após amargar quedas nos três anos anteriores. “O cenário começou a ficar mais interessante para as empresas que têm interesse na Bolsa, pois os preços dos ativos estavam melhores e elas poderiam conseguir um retorno maior nos lançamentos”, diz o conselheiro da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais Nacional (Apimec), Reginaldo Alexandre. Turbulências ocorridas na Bovespa no mês de maio último voltaram a gerar insegurança quanto às perspectivas de novas aberturas de capital. O retorno a esses projetos dependerá sempre de uma retomada da alta verificada no começo de 2004, e de maneira sustentada.
O diretor da Fator Corporate, Murilo Kammer, observa que a entrada de novas empresas no mercado de ações requer uma bolsa de valores aquecida e que tenha apresentado performance favorável por algum período. “O ano 2003 foi muito bom e 2004, apesar de alguns solavancos, também pode ser”, disse. “A Bolsa é interessante. Quando sobe, todo mundo fica mais rico, todos se sentem mais capazes de comprar, o dinheiro circula”, acrescentou. Na visão dele, a questão que se coloca é se o mercado quer absorver os recursos extras. “As corretoras sentem que há demanda por ações novas, já que o número de empresas abertas caiu consideravelmente com a globalização econômica.”
Porém, as empresas que procuraram auxílio para entrar na Bovespa no começo deste ano são compostas predominantemente por grupos que não são grandes. “Há até empresas pequenas demais, com história muito curta para justificar um lançamento”, disse Kammer. A Fator Corporate tem investido na consultoria a grupos que pretendem abrir o capital com emissão de ações e o executivo acredita que, com a melhora do mercado, há chances de algumas acontecerem já neste ano. “Não são
só lançamentos de empresas novas, mas também outras emissões daqueles que já estão no mercado e querem captar mais recursos”, complementa o diretor.
Kammer acredita que as primeiras ofertas servirão como teste para o apetite do mercado e que o sucesso das estreantes também será observado com atenção. Das empresas que já manifestaram interesse em captar via ações, a Natura foi a primeira. A empresa já pediu registro de emissão ao órgão regulador desse mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Outras que podem aproveitar a janela de oportunidade que se abre são Magazine Luíza, Microsiga, Nossa Caixa, Goll, AII e CPFL Energia.
Reginaldo Alexandre, da Apimec, lembra que há empresas grandes atuando no Brasil e que ainda não estão na Bovespa. Há ainda companhias com um braço de suas atividades no mercado de ações e outro fora, como o Grupo Votorantim. “Filiais de multinacionais também podem aproveitar o momento”, afirmou.
Altas taxas de juros
“O Brasil pode estar passando por um recomeço do cultivo de sua cultura de mercado”, disse o superintendente de Desenvolvimento do Mercado da CVM, Suli da Gama Fontaine. Ele ressalvou, entretanto, que a sustentação de uma Bolsa forte e que possibilite emissões consistentes de empresas passa necessariamente pela eliminação do principal entrave citado por todos os especialistas: as altas taxas de juros. Esse fantasma ainda está longe de ser dissipado e dificulta o desenvolvimento pleno do mercado de capitais.
“O nosso sistema fica um pouco ineficiente, mas não pelos princípios e regras, e sim pela competição com o Estado”, ponderou Fontaine. Com juros elevados, a renda variável da Bovespa acaba perdendo força em face da rentabilidade segura e fixa oferecida pelos títulos públicos.
“O número restrito de empresas na Bovespa. também se deve à pouca competitividade das ações ante os juros pagos na dívida pública”, disse. Para o superintendente da CVM, o tempo e a amplitude da queda dos juros estão nas mãos do governo. Reginaldo Alexandre, da Apimec, lembra que a trajetória dos juros é de queda desde 1997.
“Estamos em um novo cenário, de liquidez global, que favorece os ativos de risco. Além disso, o quadro político está mais calmo na comparação com o período pré-eleitoral de 2002”, lembrou. Para os especialistas, a progressiva queda dos juros é essencial para que a renda variável ocupe seu espaço. Isso porque a perda de atratividade dos títulos públicos implicará a liberação da tão sonhada poupança nacional necessária às novas aberturas de capital.
Na avaliação de Alexandre, o mercado de capitais passou por alguns anos excepcionais, com crises sucessivas que restringiram ainda mais o negócio em Bolsa. Vale lembrar que, desde 2002, houve apenas cinco emissões primárias de ações. “Agora, o mercado volta a ser uma fonte legítima de captações”, complementa. “Se o cenário continuar favorável assim, teremos emissões cada vez mais fortes.”
Vantagens e desvantagens
A superintendente de relações com empresas da Bovespa, Maria Helena Santana, afirma que a emissão de ações pode aliviar a situação de uma companhia com dívida já elevada e também é importante na medida em que traz liquidez ao patrimônio dos próprios acionistas originais.
“O capital aberto minimiza as divergências entre os sócios, já que o fato de uma empresa estar listada dá liberdade de saída ao sócio que pretende mudar de rumo”, afirma Santana. Outra vantagem é a profissionalização da gestão. A redução do custo de captação é a máxima perseguida pelos empresários que buscam a Bovespa.
O vice-presidente executivo da Suzana Holding, João Nogueira Batista, conta que essa é a estratégia principal de longo prazo do Grupo: “A abertura de capital melhora a percepção de risco da empresa de maneira geral, ainda mais em se tratando de uma companhia de um país emergente.” Batista foi diretor-financeiro e de Relações com Investidores da maior companhia aberta brasileira, a Petrobras.
Sua entrada na Suzana faz parte da estratégia do conglomerado – que atua nas áreas petroquímica e de papel e celulose – de aproximação com o mercado de capitais. A empresa já fez um lançamento de ações utilizando métodos modernos de pulverização dos papéis, com o objetivo de ingressar em breve no lbovespa. O executivo reconhece que o mercado de capitais brasileiro não é rápido e eficiente como os de países desenvolvidos, mas conta que a Suzana já sentiu no curto prazo alguns benefícios de seu novo posicionamento.
“Só a valorização das ações já é um fator muito importante e o próprio mercado bancário passa a ter uma visão mais positiva da empresa, oferecendo modalidades mais acessíveis de crédito.” Os especialistas também lembram que o financiamento via ações é mais confortável, já que não exige remuneração fixa.
O pagamento de dividendos aos acionistas, por exemplo, varia de acordo com o lucro auferido e inclusive é suspenso em caso de prejuízo. “Ninguém toma sua fábrica porque um negócio não deu certo”, ironiza Kammer, da Fator Corporate. Entre as desvantagens, as empresas devem levar em conta a própria volatilidade característica de bolsas de valores. Uma queda dos papéis pode reduzir consideravelmente o valor de mercado das companhias.
“O empresário também deve fazer as contas e pensar se tem cultura voltada às exigências do mercado”, ponderou Maria Helena Santana, da Bovespa. “Ele deve compreender que se trata de uma parceira de longo prazo com o investidor.” Essa sociedade implica preocupação com a qualidade da informação que a empresa divulga e com boas práticas de governança corporativa, entre outras medidas.
A visão dos investidores
Os profissionais também acreditam que a aplicação em ações é acessível para todos os tipos de investidores, inclusive os leigos e pequenos. Nesse último caso, no entanto, algumas precauções devem ser tomadas. “O aplicador precisa procurar empresas com boa governança corporativa, com histórico de bom tratamento ao acionista minoritário”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec), Waldir Corrêa.
As entradas via fundos de investimento ou com a orientação de uma corretora também são aconselhadas, como forma de reduzir os riscos inerentes a esse tipo de aplicação.
“O investidor deve ainda, em um primeiro momento, segregar apenas uma pequena parte de seus recursos para iniciar o investimento”, afirma Maria Helena Santana, da Bovespa. Dessa maneira, ele não se compromete, antes de estar familiarizado com esse mercado. Outra opção é escolher empresas de setores sustentáveis.
Garantias disponíveis
Para Suli da Gama Fontaine, da CVM, o Brasil tem sistemas de liquidação, infra-estrutura e princípios de transparência superiores “aos de vários outros países”. De acordo com ele, as empresas mais emblemáticas da Bovespa não têm tido problemas, por exemplo, na divulgação correta das informações necessárias ao mercado.
Além de poder recorrer a instituições como a própria CVM, à Bovespa ou ainda à Animec, o investidor
pode também se munir de relatórios elaborados pelas corretoras e pelos bancos de investimento que recomendam a compra ou venda de ações. A análise dos pareceres dos auditores independentes, que sempre acompanham os relatórios das empresas, também pode ser uma solução. “Para uma companhia que pretende acessar o mercado de ações, a escolha de uma boa auditoria é imprescindível”, disse Reginaldo Alexandre, da Apimec.
Outro caminho que o acionista pode buscar para se certificar sobre a qualidade do crédito de uma empresa aberta são as agências de classificação de risco, contratadas pelas próprias companhias para fornecer ratings, ou “notas”, à estrutura de capital de um grupo. “O papel fundamental da concessão de um rating é dar uma opinião independente sobre o grau de risco
de uma empresa”, afirma o diretor da Standard and Poor’s (S&P) no Brasil, Daniel Araújo. Segundo ele, cada entidade é analisada dentro de seu setor específico: “O ambiente econômico
no Brasil oferece mais risco, o custo de capital é mais alto, mas a qualidade do crédito varia caso a caso”. A S&P também vem desenvolvendo, desde 1998, o chamado score de governança corporativa. A idéia é oferecer às empresas a possibilidade de serem classificadas com base em seu nível de transparência, uma qualidade cada vez mais observada pelo mercado. O produto foi colocado à disposição das empresas brasileiras mas, segundo Araújo, seu estágio ainda é inicial.