O balanço da Petrobras de 2014 trouxe um atívio aos ex-administradores da estatal e também às firmas de auditoria que lá atuaram de 2008 até hoje. Os ajustes realizados, de R$ 51 bilhões ou 6,5% dos ativos, não permitem qualquer avaliação a respeito de ineficiencias ou supe_rfaturamentos que tenham ocorrido no passado. A preocupação dos administradores e dos auditores deve-se às investigações sobre possível falta de diligencia na contratação de obras com as construtoras investigadas pela Operação Lava-Jato do Ministério Público Federal (MPF)-e na sua contabilizaçao.
Há investigações na Comissão de Valores Mobiliários ( CVJ\lf) sobre o tema, e também uma aciio de investidores de ADRs na B]sa de Nova York na corte americana, cm busca de ressarcimento pela queda nas açocs. A explicação para o alívio que o balanço de 2014 traz aos ex-administradores ( exceto os já denunciados) e aos auditores está no método usado para os ajustes. Até 2011, a empresa foi avaliada pela KPMG e a partir de 2012, pela PvvC. Ambas atestaram não só os números mas também os controles internos da companhia. No balanço de 2014, por conta da Lava-Jato, a Petrobras corrigiu o valor de seus ativos cm R$ 6,2 bilhões. Este foi o total atribuído a “pagamentos indevidos”. Ao azcr tal correção, a estatal admite que houve 3% de sobrepreço nos contratados com as constmtoras investigadas pelo MPF.
A empresa- adotou essa taxa a partir de depoimentos de ex-executivos que foram presos e fizeram acordo de delação premiada, na ausência de solução melhor. Esse tratamento não era obrigatório. O percentual de 3% não é considerado ”materialmente relevante” -conceito da contabilidade internacional – e poderia ter passado aos olhos dos auditores e da administração. Assim, aponta especialista que preferiu nao se identificar, estariam todos ‘ perdoados” por não notarem a corrupção.
Restaria o teste da capacidade de recuperação do valor contábil dos ativos – o chamado “teste de impaim1ent” – para verificar se além dos 3% delatados haveria mais indícios de superfaturamen to. A avaliação é anual. A Petrobras fez uma baixa por “impairmem” de R$ 44,5 bilhões para 20]4. Do total, R$ 31 bilhões (70%) vieram de do Complexo Petroqüímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Refinaria Abreu e Lima(Rncst)-as obras mais polêmicas, cm função de orçamentos elevados e constantemente ampliados ao longo dos anos.
Mas esse ajuste de R5 31 bilhões só foi possível porque elas foram retiradas da Unidade Geradora de Caixa (UGC) Refino – grupo com as I 5 refinarias da companhia. Há 15 anos, desde que listou as acões na Bolsa de Nova York(Nyse) e omeçou a fazer tal teste para a contabilidade daquele país, a Pet:robras divide seus ativos por UGC, método reconhecido pela contabilidade. Não se trata de novidade. As refinarias são avaliadas juntas porque a gestão é integrada, alega a Petrobras. Inclusive a logística e os custos. Não seria viável avaliar cada uma delas porque sequer os dados são coletados assim pela companhia – é o que alegam administração e auditor. Assim, o modelo adotado pela Petrobras dificulta essa verificação.
Comperj e Rnest foram retira-das da UGC porque, no começo deste ano, a Pctrobras decidiu paralisar estas obras, após a queda no preço internacional do peóleo. Ou seja, o futuro nao garantia rentabilídade. Mas não há avaliação sobre se o passado responde por parte dessa falta de perspectiva de recuperação do valor investido. Há exatamente um ano, o plano da estatal era investir quase U$S 40 bilhões nessas obras até 2018. Consultada, a Petrobras nao informou quanto jâ foi iiwestido. O mémdo usado pela Petrobras atesta apenas que, ainda que tenha ocorrido superfaturarnento, é possível recuperar o investimento – na condição atual de mercado – com a operação integrada das refinarias. Não garante que não houve superfat.uramento. Mas tampouco indica sua existência.
Assim, o balanço da Petrobras, isoladamente, nao aponta para problemas de controles intco e falhas na diligência dos admm1s tradores -exceto pelos RS 6,2 bilhões corrigidos, menos de 1% dos ativos totais, de R$ 800 bilhões.
Para especialista ouvido pelo Valor, uma baíxa na UGC Refino sem ser feita por paralisação de obra levantaria uma bandeira nessa direçao e suscitaria questionamentos, em função da Lava-Jato. Os conselheiros de administração que rejeitaram o balanço de 2014 – Mauro Cunha e Silvio Sinedino – argumentam nos seus votos que diante do cenário atual seria importante a companhia avaliar separadamente ao menos a primeira fase da Rnest. Os motivos para a suspeita sobre essa refinaria constam do voto desses conselheiros.
A opção por só apresentar o cálculo da GC Refino também foi ponto central da negativa dos dois conselheiros fiscais dos minoritários – Walter Albertoni e Reginaldo Alexandre. Consta no voto de Sinedino, membro deito pelos funcionários da estatal, que a primeira fase da Rnest custou de US$ 81 mil por barril refinado frente a um custo médio internacional de US$ 35 mil – um adicional de 130%. Não é possível afirmar que o sobrepreço seja causado por superfaturamcnto de contratos.
Há diversas possibilidades, como ineficicncias, conteúdo nacional obrigatório e ainda pressa-já que o investimento n1aciço em refino era planos do governo para o Brasil. Cunha alega em seu voto que a Rnesc está registrada nos livros da Petrobras ao “impressionante” múltiplo de 27 vezes o Ebitda (lucro antes de juros impostos.depreciação e amortização), conforme os números levados pela administraçao ao conselho. Após a baixa de 2014, esse indicador cai para 22 vezes- “ainda superior a qualquer parâmetro aceitável”, segundo ele. Na prática, a soma das avaliações individuais deveria ser o mesmo da UGC , pois as sinergias da gestão integrada já estão na operaçao.
Para uma análise individual, bastaria separar a capacidade da Rnest e aplicar o mesmo modelo de fluxo de caixa descontado usado para a UGC. É essa a crítica e o motivo dos conselheiros descontentes. Para eles, a conta é possível, e a opção foi diluir a Rnest na UGC. O balanço de 2014da Pe,trobras traz também uma lição para analistas de ações e de dívida, e também para investidores. Os riscos de obras tão caras – cujos investimentos eram públicos e destacados pela estatal – não foram adequadamente medidos. Havia críticas, mas não se ouviu previsão de baixas relevantes nos balanços.