O que leva empresas do céu ao inferno na bolsa e por que é tão difícil para o investidor saber quando a maré está virando
Todo mundo conhece alguma história de um amor cego que um belo dia se transformou em desprezo. Pois o mercado de ações brasileiro está cheio delas. Num momento, a empresa e a administração são incensadas, as ações só sobem e colecionam recomendações de compra. No outro, decepção, frustração de expectativas e papéis em queda livre. Foi assim com PDG, Hypermarcas, OGX, Petrobras – para falar apenas de alguns exemplos do passado mais recente. São histórias que oferecem reflexões ao investidor que gosta de seguir “a moda”, mas também um alerta que vale para todos: identificar uma ação que está se tornando uma queridinha do mercado pode ser mais fácil do que notar que ela vai deixar de ser.
Um levantamento com base em dados da “Bloomberg” mostrou que, entre as 1.201 recomendações de analistas de bancos e corretoras para as 68 ações que compõem o principal índice da bolsa (Ibovespa), apenas 11% eram de venda ou de “abaixo da média do mercado” no fim de maio. Para muitos, a escassez de especialistas recomendando “venda” de forma mais veemente no mercado favorece o surgimento de “queridinhas”. Entre os perigos para o comprador está o de não ajustar a tempo suas expectativas à realidade do papel.
Comprar histórias de sucesso e promessas de crescimento é tudo com que o investidor em bolsa sonha. O problema é que, quando alguma coisa dá errado na companhia, no setor ou na economia como um todo, o alerta pode demorar a soar ou nem chegar a ser acionado e o prejuízo já aparecer materializado sob a forma de violentas quedas. Há também uma questão “simples” de probabilidade. “Quando um papel permanece um longo tempo nas alturas, não precisa haver uma notícia ruim para derrubar as cotações. Às vezes, basta que o comunicado da empresa seja neutro para que as expectativas fiquem frustradas”, observa Philipe Biolchini, sócio da gestora First Value.
Tais situações, como é comum no mercado acionário, embutem um importante componente psicológico. “Quando os preços em bolsa estão subindo sistematicamente, o investidor sente-se mais confortável, mas, na verdade, deveria ser o contrário”, ressalta Lika Takahashi, estrategista da Fator Corretora. Além disso, nota-se que, mesmo quando o ambiente é instável como o atual, o que vem prevalecendo é um viés otimista. Para Will Landers, gestor da BlackRock, embora as razões que levam cada empresa a cair nas graças do mercado.
A entrada de grandes investidores, ao contrário, de EZTec e JHSF, que, apesar dos ótimos resultados, são “small caps”. Para completar, a PDG não apresentava os mesmos problemas que as rivais quanto à execução das obras, como estouros de orçamentos. O cenário, no entanto, mudou completamente no início deste ano. O primeiro indício de que algo não ia bem foi o atraso, em três dias, na divulgação do balanço anual de 2011. Junto com os resultados vieram as primeiras revisões de custos de obras. Chegou a divulgação relativa ao primeiro trimestre e a margem bruta não se recuperou.
Agentes de mercado começaram a apostar, então, que a companhia passaria por todo o calvário vivido pelas rivais. Para incendiar ainda mais uma fogueira que já ardia, investidores passaram a questionar a prática de alguns diretores da companhia, que compraram opções de venda para as ações que receberiam no seu pacote de remuneração anual – possibilidade que foi banida formalmente depois de o caso ganhar repercussão na mídia e no mercado. O raciocínio era: se executivos de dentro da empresa querem proteção contra a baixa das ações, por que os demais investidores deveriam apostar na alta?
A consequência foi surpreendente, até mesmo para gestores de recursos que já apostavam na baixa dos papéis. Entre meados de março e a penúltima semana de maio deste ano, as ações da PDG tiveram queda de 60% e a empresa passou a ser avaliada pela metade do seu patrimônio líquido, mesmo índice apresentado pela Gafisa que, por ora, mostrou resultados operacionais bem piores que a PDG. No mesmo período, o Ibovespa caiu 20%. Em termos de valor de mercado, a perda somou R$ 5 bilhões. Já no dia 28 de maio, a companhia anunciou um aumento de capital, o que gerou forte volatilidade naquela semana.
Segundo um gestor de fundos local que pediu para não ser identificado, alguns analistas e investidores têm uma expectativa desmedida sobre algumas empresas, acreditando que elas conseguirão resultados acima da média por um prazo indefinido. “Isso acaba gerando uma valorização além do razoável e uma decepção proporcional”, diz ele. Procuradas, Hypermarcas e PDG não quiseram conceder entrevistas.
Fenômeno abrange novas e velhas histórias
Por muitos anos, o mercado tinha apenas uma opção para investir em petróleo no país: Petrobras, com todas as suas idiossincrasias, como a política de preços que não acompanha os reajustes no mercado internacional com a velocidade esperada pelos investidores. Uma oportunidade, no entanto, surgiu em junho de 2008, com a oferta de papéis da OGX. Mesmo sem referenciais históricos no Brasil das chamadas “empresas-projeto”, cujo modelo de negócios deixa claro que os resultados só virão no longo prazo – se tudo der certo, obviamente -, os investidores foram às compras com apetite. O resultado foi que, pouco tempo depois de cumprir os requisitos exigidos pela bolsa, a empresa de Eike Batista comemorava o ingresso no Ibovespa.
A liquidez cada vez maior foi o passaporte para que a companhia entrasse no portfólio de uma parte relevante dos fundos de ações, mesmo na condição de pré-operacional. Os papéis acumularam ganho de 17% em 2010, contra misero 1% do Ibovespa, em meio às perfurações de poços em busca de petróleo, declarações sempre retumbantes de Eike e um horizonte de entrada de parceiros estrangeiros no negócio, com um bom dinheiro para investir.
Recursos, de fato, nunca faltaram, o projeto seguiu, mas, em abril de 2011, quem acordou tarde e só foi conferir depois do almoço o pregão do dia 18, uma segunda-feira, deve ter se assustado. Por volta das llh, os papéis já desabavam 16%. A explicação era de que, no fim da sexta anterior, havia saído um relatório da certificadora DeGolyer & MacNaughton (D&M) sobre o volume de recursos potenciais líquidos da OGX. O estudo apontou reservas de 10,8 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), volume 59% maior em relação à estimativa anterior, de 6,8 bilhões de boe, feita em setembro de 2009. A questão foi que os chamados “recursos contingentes”, que representam os mais próximos da realidade, ficaram em 3,1 bilhões de barris, ante expectativas de mercado que giravam em torno de 4 bilhões. As ações da OGX terminaram aquela segunda-feira com perda de 17%. Na mesma data e nos dias posteriores, várias instituições revisaram para baixo o papel, que encerrou 2011 com um prejuízo acumulado de 32% – pior do que a queda de 18% do Ibovespa. “Não gosto de julgar o entendimento dos investidores”, diz Roberto Monteiro, diretor financeiro e de relações com investidores da OGX. “Mas o aplicador nunca pode imaginar que um projeto enorme vai acontecer de um trimestre para o outro.
” Sobre o relatório da D&M, ele avalia que as conclusões à época foram importantes e confirmaram coisas que a empresa já sabia: que sua área petrolífera era grande e que demandaria um trabalho enorme na delimitação dos campos. O executivo lembra que, na oportunidade, a companhia tinha 19 campos perfurados na bacia de Campos (RJ) e, atualmente, são 63. Neste ano, os papéis da OGX amargavam perda de 16,6% até o dia 29 de maio, cotados a R$ 11,36. Curioso é que este valor representa menos da metade do pico histórico do ativo até então (R$ 23,27, registrado em outubro de 2010), sendo que, nos dias de hoje, a companhia já tem uma plataforma produzindo petróleo e em março realizou a entrega da primeira carga de óleo do Campo de Tubarão Martelo, para a Shell, negócio que marcou o início de sua geração de caixa. Como explicar esse descompasso? O mercado, enfim, domou sua ansiedade? Está pessimista demais?
Na Bradesco Corretora, a avaliação sobre as ações da OGX nunca mudou: “outperform” (desempenho acima do mercado). As contas, no entanto, oscilaram bastante. O preço-alvo para as ações já foi de R$ 37,40, entre setembro de 2010 e julho de 2011, mas no fim de maio estava em R$ 21, conforme histórico da “Bloomberg”. De acordo com Landers, da Blackrock, casos de euforia com empresas novas explicam por que “IPOs (ofertas iniciais de ações) têm que ser precificados com desconto interessante”. Para ele, por mais que a companhia seja boa, falta histórico de longo prazo de entrega de resultados. Mas, apesar de ser mais difícil que ações de empresas já consolidadas e estabelecidas passem por movimentos prolongados e acentuados de alta, isso também pode ocor· rer, especialmente quando o grupo enfrenta transformações profundas. Não há como negar, por exemplo, que a Apple seja uma queridinha nos Etados Unidos, após acumular valorização de quase 180% desde o início de 2010, passando a valer US$ 528 bilhões ao fim de maio.
No Brasil, isso ocorreu até meados de 2008 com a Petrobras. Animados com a então perspectiva de que o país receberia o selo de grau de investimento das agências de classificação de risco e com as descobertas de petróleo na camada pré-sal da bacia de Santos – que têm potencial para mais do que dobrar as reservas provadas da empresa-, investidores locais e estrangeiros rechearam as carteiras com papéis da petrolífera. No pico, em maio daquele ano, as ações preferenciais da estatal chegaram a ser negociadas a R$ 44,56, ante apenas R$ 18,85 em 29 de maio passado. A crise do subprime se acentuou e, em setembro de 2008, houve a quebra do Lehman Brothers. As ações da Petrobras mergulharam naquela época e nunca mais retomaram o nível pré-crise.
O ambicioso plano de investimento da companhia, que exige um desembolso de caixa muito acima do que ela consegue gerar em sua operação, não favorece os papéis no curto prazo. Sem contar, é claro, a controversa capitalização de R$ 120 bilhões, em conjunto com a cessão onerosa dos 5 bilhões de barris do pré-sal. Além da forte diluição provocada por um aumento de capital desse tamanho, os minoritários brasileiros e estrangeiros não gostaram de não poder opinar sobre as condições do maior contrato com partes relacionadas já realizado no mundo, e a interferência do governo na sua controlada passou a ganhar mais peso na decisão de investimento. Um ano e meio depois da capitalização, a questão política ainda afeta as ações e os resultados da petrolífera. O ponto agora é a perda bilionária que a estatal tem a cada trimestre por demorar a repassar o aumento do preço em reais do petróleo internacional para os combustíveis que vende no mercado local.
A não ser que haja um reequilíbrio nessa equação, o mercado não vê possibilidade de recuperação dos resultados da Petrobras antes de meados de 2013, quando as novas refinarias da companhia devem começar a funcionar. Já um ponto que tem sido observado com atenção – e com simpatia – pelos analistas e investidores são as mudanças na administração da estatal, após Maria das Graças Foster ter assumido a presidência da companhia.
Há o entendimento de que a gestão pode se tornar mais eficiente e voltada para resultados. À medida que essas diferenças aparecerem nos balanços trimestrais por meio de aumento da produção e corte de custos, isso pode ser um gatilho para as ações. Há expectativa também em relação ao que Graça Foster fará com o plano de negócios de cinco anos da empresa, que atualmente prevê investimentos de US$ 224 bilhões. A revisão anual do plano será apresentada em agosto. Consultada, a Petrobras não quis conceder entrevista. Reginaldo Alexandre, presidente da seção São Paulo da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), avalia que, se o ambiente é de crescimento econômico e de percepção de risco menor, é natural que as projeções reflitam esse clima. Em qualquer conjuntura, no entanto, ele entende que empresas em meio a projetos de expansão ou em fase de grandes aquisições merecem atenção redobrada.
“As coisas podem não sair como planejado, as sinergias não ocorrerem como o previsto ou a companhia se alavancar demais, por exemplo”, diz. “É obrigação do analista indicar estes riscos.” Para o chefe da área de análise de um grande banco, que pediu para não ser identificado, uma evidência dara de que as ações estão chegando ao limite de alta ocorre quando elas se aproximam do preço-alvo. No entanto, ele avalia que apenas numa minoria de situações o movimento de baixa ocorre nesse rúvel. “O mais comum são momentos de realização de lucro e oportunidades de compra que não ocorrem no preçoalvo:’ Sobre uma eventual resistência em ir contra a maré quando todas as recomendações apontam para o mesmo lado, ele diz que isso difere os bons dos maus profissionais.
“O bom não vai se intimidar (quando for necessário)”, afirma, ressaltando que todos querem acertar em suas recomendações e que os analistas competem entre si. Para se ter uma noção do impacto quando algo dá errado, Lika, da Fator, propõe um exercício simples: no caso de uma companhia da qual se espera um crescimento anual da ordem de 30%, simular o “estrago na planilha” se a evolução for, por hipótese, somente a metade. Ela também se mostra cética quanto a alguns setores. No varejo, por exemplo, a estrategista entende que as cotações no fim de maio embutiam um crescimento que não irá se concretizar. “Creio que as margens, por exemplo, não serão crescentes como no passado, pois a base anterior era menor”, explica ela. Já em relação à postura de uma companhia diante de fatos negativos, Lika é enfática: “Ficar adiando notícia ruim é pior ainda”. •