Bem-me-quer, Malmequer

Data Original: 04/06/2012
Postado em: 18 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Reportagens - Valor Investe

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O que leva empresas do céu ao inferno na bolsa e por que é tão difícil para o investidor saber quando a maré está virando 

Todo mundo conhece alguma história de um amor cego que um belo dia se trans­formou em desprezo. Pois o mercado de ações brasileiro está cheio delas. Num mo­mento, a empresa e a administração são incensadas, as ações só sobem e colecio­nam recomendações de compra. No ou­tro, decepção, frustração de expectativas e papéis em queda livre. Foi assim com PDG, Hypermarcas, OGX, Petrobras – para falar apenas de alguns exemplos do passa­do mais recente. São histórias que ofere­cem reflexões ao investidor que gosta de seguir “a moda”, mas também um alerta que vale para todos: identificar uma ação que está se tornando uma queridinha do mercado pode ser mais fácil do que notar que ela vai deixar de ser.

Um levantamento com base em dados da “Bloomberg” mostrou que, entre as 1.201 recomendações de analistas de bancos e corretoras para as 68 ações que compõem o principal índice da bolsa (Ibovespa), apenas 11% eram de venda ou de “abaixo da média do mercado” no fim de maio. Para muitos, a escassez de especialistas recomendando “venda” de forma mais ve­emente no mercado favorece o surgimento de “queridinhas”. Entre os perigos para o comprador está o de não ajustar a tempo suas expectativas à realidade do papel.

Comprar histórias de sucesso e pro­messas de crescimento é tudo com que o investidor em bolsa sonha. O problema é que, quando alguma coisa dá errado na companhia, no setor ou na economia como um todo, o alerta pode demorar a soar ou nem chegar a ser acionado e o pre­juízo já aparecer materializado sob a for­ma de violentas quedas. Há também uma questão “simples” de probabilidade. “Quando um papel perma­nece um longo tempo nas alturas, não pre­cisa haver uma notícia ruim para derrubar as cotações. Às vezes, basta que o comuni­cado da empresa seja neutro para que as ex­pectativas fiquem frustradas”, observa Phi­lipe Biolchini, sócio da gestora First Value.

Tais situações, como é comum no mercado acionário, embutem um impor­tante componente psicológico. “Quando os preços em bolsa estão subindo sistema­ticamente, o investidor sente-se mais con­fortável, mas, na verdade, deveria ser o contrário”, ressalta Lika Takahashi, estra­tegista da Fator Corretora. Além disso, no­ta-se que, mesmo quando o ambiente é instável como o atual, o que vem prevale­cendo é um viés otimista. Para Will Landers, gestor da BlackRock, embora as razões que levam cada empresa a cair nas graças do mercado.

A entrada de grandes investidores, ao con­trário, de EZTec e JHSF, que, apesar dos ótimos resultados, são “small caps”. Para completar, a PDG não apre­sentava os mesmos problemas que as ri­vais quanto à execução das obras, como estouros de orçamentos. O cenário, no entanto, mudou comple­tamente no início deste ano. O primeiro in­dício de que algo não ia bem foi o atraso, em três dias, na divulgação do balanço anu­al de 2011. Junto com os resultados vieram as primeiras revisões de custos de obras. Chegou a divulgação relativa ao primeiro trimestre e a margem bruta não se recupe­rou.

Agentes de mercado começaram a apostar, então, que a companhia passaria por todo o calvário vivido pelas rivais. Para incendiar ainda mais uma fogueira que já ardia, investidores passaram a ques­tionar a prática de alguns diretores da com­panhia, que compraram opções de venda para as ações que receberiam no seu paco­te de remuneração anual – possibilidade que foi banida formalmente depois de o caso ganhar repercussão na mídia e no mer­cado. O raciocínio era: se executivos de dentro da empresa querem proteção con­tra a baixa das ações, por que os demais in­vestidores deveriam apostar na alta?

A consequência foi surpreendente, até mesmo para gestores de recursos que já apostavam na baixa dos papéis. Entre me­ados de março e a penúltima semana de maio deste ano, as ações da PDG tiveram queda de 60% e a empresa passou a ser avaliada pela metade do seu patrimônio lí­quido, mesmo índice apresentado pela Gafisa que, por ora, mostrou resultados operacionais bem piores que a PDG. No mesmo período, o Ibovespa caiu 20%. Em termos de valor de mercado, a perda somou R$ 5 bilhões. Já no dia 28 de maio, a companhia anunciou um aumento de capital, o que gerou forte volatilidade na­quela semana.

Segundo um gestor de fundos local que pediu para não ser identificado, al­guns analistas e investidores têm uma ex­pectativa desmedida sobre algumas em­presas, acreditando que elas conseguirão resultados acima da média por um prazo indefinido. “Isso acaba gerando uma valo­rização além do razoável e uma decepção proporcional”, diz ele. Procuradas, Hypermarcas e PDG não quiseram conceder entrevistas.

Fenômeno abrange novas e velhas histórias

Por muitos anos, o mercado tinha apenas uma opção para investir em petróleo no país: Petrobras, com todas as suas idiossin­crasias, como a política de preços que não acompanha os reajustes no mercado inter­nacional com a velocidade esperada pelos investidores. Uma oportunidade, no entan­to, surgiu em junho de 2008, com a oferta de papéis da OGX. Mesmo sem referenciais históricos no Brasil das chamadas “empre­sas-projeto”, cujo modelo de negócios dei­xa claro que os resultados só virão no longo prazo – se tudo der certo, obviamente -, os investidores foram às compras com apetite. O resultado foi que, pouco tempo de­pois de cumprir os requisitos exigidos pela bolsa, a empresa de Eike Batista comemo­rava o ingresso no Ibovespa.

A liquidez cada vez maior foi o passaporte para que a companhia entrasse no portfólio de uma parte relevante dos fundos de ações, mes­mo na condição de pré-operacional. Os papéis acumularam ganho de 17% em 2010, contra misero 1% do Ibovespa, em meio às perfurações de poços em busca de petróleo, declarações sempre retum­bantes de Eike e um horizonte de entrada de parceiros estrangeiros no negócio, com um bom dinheiro para investir.

Recursos, de fato, nunca faltaram, o projeto seguiu, mas, em abril de 2011, quem acordou tarde e só foi conferir de­pois do almoço o pregão do dia 18, uma segunda-feira, deve ter se assustado. Por volta das llh, os papéis já desabavam 16%. A explicação era de que, no fim da sexta anterior, havia saído um relatório da certi­ficadora DeGolyer & MacNaughton (D&M) sobre o volume de recursos potenciais lí­quidos da OGX. O estudo apontou reser­vas de 10,8 bilhões de barris de óleo equi­valente (boe), volume 59% maior em relação à estimativa anterior, de 6,8 bi­lhões de boe, feita em setembro de 2009. A questão foi que os chamados “recursos contingentes”, que representam os mais próximos da realidade, ficaram em 3,1 bi­lhões de barris, ante expectativas de mer­cado que giravam em torno de 4 bilhões. As ações da OGX terminaram aquela segunda-feira com perda de 17%. Na mes­ma data e nos dias posteriores, várias ins­tituições revisaram para baixo o papel, que encerrou 2011 com um prejuízo acu­mulado de 32% – pior do que a queda de 18% do Ibovespa. “Não gosto de julgar o entendimento dos investidores”, diz Roberto Monteiro, diretor financeiro e de relações com inves­tidores da OGX. “Mas o aplicador nunca pode imaginar que um projeto enorme vai acontecer de um trimestre para o outro.

” Sobre o relatório da D&M, ele avalia que as conclusões à época foram importantes e confirmaram coisas que a empresa já sa­bia: que sua área petrolífera era grande e que demandaria um trabalho enorme na delimitação dos campos. O executivo lem­bra que, na oportunidade, a companhia ti­nha 19 campos perfurados na bacia de Campos (RJ) e, atualmente, são 63. Neste ano, os papéis da OGX amarga­vam perda de 16,6% até o dia 29 de maio, cotados a R$ 11,36. Curioso é que este valor representa menos da metade do pico histó­rico do ativo até então (R$ 23,27, registrado em outubro de 2010), sendo que, nos dias de hoje, a companhia já tem uma platafor­ma produzindo petróleo e em março reali­zou a entrega da primeira carga de óleo do Campo de Tubarão Martelo, para a Shell, negócio que marcou o início de sua gera­ção de caixa. Como explicar esse descom­passo? O mercado, enfim, domou sua an­siedade? Está pessimista demais?

Na Bradesco Corretora, a avaliação sobre as ações da OGX nunca mudou: “outperform” (desempenho acima do mercado). As contas, no entanto, oscilaram bastante. O preço-alvo para as ações já foi de R$ 37,40, entre setembro de 2010 e ju­lho de 2011, mas no fim de maio estava em R$ 21, conforme histórico da “Bloomberg”. De acordo com Landers, da Blackro­ck, casos de euforia com empresas novas explicam por que “IPOs (ofertas iniciais de ações) têm que ser precificados com desconto interessante”. Para ele, por mais que a companhia seja boa, falta histórico de longo prazo de entrega de resultados. Mas, apesar de ser mais difícil que ações de empresas já consolidadas e estabeleci­das passem por movimentos prolongados e acentuados de alta, isso também pode ocor· rer, especialmente quando o grupo enfren­ta transformações profundas. Não há como negar, por exemplo, que a Apple seja uma queridinha nos E􀀳tados Unidos, após acu­mular valorização de quase 180% desde o início de 2010, passando a valer US$ 528 bi­lhões ao fim de maio.

No Brasil, isso ocorreu até meados de 2008 com a Petrobras. Animados com a en­tão perspectiva de que o país receberia o selo de grau de investimento das agências de classificação de risco e com as desco­bertas de petróleo na camada pré-sal da bacia de Santos – que têm potencial para mais do que dobrar as reservas provadas da empresa-, investidores locais e estran­geiros rechearam as carteiras com papéis da petrolífera. No pico, em maio daquele ano, as ações preferenciais da estatal che­garam a ser negociadas a R$ 44,56, ante apenas R$ 18,85 em 29 de maio passado. A crise do subprime se acentuou e, em setembro de 2008, houve a quebra do Lehman Brothers. As ações da Petro­bras mergulharam naquela época e nunca mais retomaram o nível pré-cri­se.

O ambicioso plano de investimento da companhia, que exige um desembol­so de caixa muito acima do que ela con­segue gerar em sua operação, não favorece os papéis no curto prazo. Sem contar, é claro, a controversa ca­pitalização de R$ 120 bilhões, em conjun­to com a cessão onerosa dos 5 bilhões de barris do pré-sal. Além da forte diluição provocada por um aumento de capital desse tamanho, os minoritários brasilei­ros e estrangeiros não gostaram de não poder opinar sobre as condições do maior contrato com partes relacionadas já reali­zado no mundo, e a interferência do go­verno na sua controlada passou a ganhar mais peso na decisão de investimento. Um ano e meio depois da capitaliza­ção, a questão política ainda afeta as ações e os resultados da petrolífera. O ponto agora é a perda bilionária que a estatal tem a cada trimestre por demorar a repas­sar o aumento do preço em reais do petró­leo internacional para os combustíveis que vende no mercado local.

A não ser que haja um reequilíbrio nessa equação, o mercado não vê possibi­lidade de recuperação dos resultados da Petrobras antes de meados de 2013, quan­do as novas refinarias da companhia de­vem começar a funcionar. Já um ponto que tem sido observado com atenção – e com simpatia – pelos ana­listas e investidores são as mudanças na administração da estatal, após Maria das Graças Foster ter assumido a presidência da companhia.

Há o entendimento de que a gestão pode se tornar mais eficiente e voltada para resultados. À medida que essas diferenças apare­cerem nos balanços trimestrais por meio de aumento da produção e corte de cus­tos, isso pode ser um gatilho para as ações. Há expectativa também em relação ao que Graça Foster fará com o plano de negócios de cinco anos da empresa, que atualmen­te prevê investimentos de US$ 224 bilhões. A revisão anual do plano será apresentada em agosto. Consultada, a Petrobras não quis conceder entrevista. Reginaldo Alexandre, presidente da se­ção São Paulo da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), avalia que, se o am­biente é de crescimento econômico e de percepção de risco menor, é natural que as projeções reflitam esse clima. Em qualquer conjuntura, no entanto, ele entende que empresas em meio a projetos de expansão ou em fase de grandes aquisições merecem atenção redobrada.

“As coisas podem não sair como planejado, as sinergias não ocor­rerem como o previsto ou a companhia se alavancar demais, por exemplo”, diz. “É obrigação do analista indicar estes riscos.” Para o chefe da área de análise de um grande banco, que pediu para não ser identi­ficado, uma evidência dara de que as ações estão chegando ao limite de alta ocorre quando elas se aproximam do preço-alvo. No entanto, ele avalia que apenas numa mi­noria de situações o movimento de baixa ocorre nesse rúvel. “O mais comum são mo­mentos de realização de lucro e oportunida­des de compra que não ocorrem no preço­alvo:’ Sobre uma eventual resistência em ir contra a maré quando todas as recomenda­ções apontam para o mesmo lado, ele diz que isso difere os bons dos maus profissio­nais.

“O bom não vai se intimidar (quando for necessário)”, afirma, ressaltando que to­dos querem acertar em suas recomendações e que os analistas competem entre si. Para se ter uma noção do impacto quando algo dá errado, Lika, da Fator, propõe um exercício simples: no caso de uma companhia da qual se espera um crescimento anual da ordem de 30%, si­mular o “estrago na planilha” se a evolu­ção for, por hipótese, somente a metade. Ela também se mostra cética quanto a alguns setores. No varejo, por exemplo, a estrategista entende que as cotações no fim de maio embutiam um crescimento que não irá se concretizar. “Creio que as margens, por exemplo, não serão crescen­tes como no passado, pois a base anterior era menor”, explica ela. Já em relação à postura de uma com­panhia diante de fatos negativos, Lika é enfática: “Ficar adiando notícia ruim é pior ainda”. •

 

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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