Se nos últimos dois anos e meio foram as empresas que tiveram que correr para lidar com as mudanças trazidas pelo processo de convergência contábil que termina neste ano, agora é a vez de investidores e analistas de ações encararem as novidades.
Representantes do mercado garantem que houve treinamento dos especialistas – o que não é uma unanimidade -, mas consideram que pode haver algum ruído durante este “rito de passagem” do mercado de capitais brasileiro.
Enquanto cresce aos poucos a lista das empresas que adotam o novo padrão contábil brasileiro, que tem como base o modelo internacional IFRS, os investidores começam a se deparar com as dificuldades de se comparar esses dados com o histórico apresentado pela própria empresa e também com os números divulgados por outras companhias, ainda no padrão antigo.
“Há um esforço geral do mercado para se assenhorear das mudanças. Mas o grau de sofisticação teórica é muito grande e o volume de páginas também”, diz Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais em São Paulo (Apimec-SP). “Os analistas estão conscientes da necessidade de aprofundamento e estão procurando se municiar [para lidar com a novidade]”, afirma.
Ele menciona que há quem considere que a mudança contábil não afeta o valor das empresas, já que as novas regras não mudam o fluxo de caixa das companhias e essa é a medida mais usada para se avaliar o preço justo das ações.
No entanto, ele destaca que o novo padrão de contabilidade pode mudar o lucro líquido das empresas, o que altera a base para distribuição de dividendos, e também o patrimônio líquido, usado para calcular múltiplos de valor de mercado e também para níveis de endividamento.
Segundo Fernando Galdi, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), que tem dado cursos sobre IFRS para analistas, a principal preocupação dos especialistas é com os números antigos, os dados históricos.
“Os indicadores que eram utilizados tinham base histórica e perdem comparabilidade”, diz.
Nesse caso, o professor destaca que o importante é que as companhias se esforcem para deixar claro para os analistas quais foram os impactos da mudança. “É a empresa que tem que dar o pontapé inicial. É ela que está iniciando as mudanças e é papel dela deixar tudo bastante claro.”
A opinião é compartilhada por Reginaldo Alexandre, da Apimec-SP. “As companhias terão papel importante neste rito de passagem, para o mercado fazer uma análise um pouco mais precisa, a fim de se evitar distorções”, afirma.
Segundo Edison Arisa, representante do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) no Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), no momento em que se decidiu pelo adiamento da adoção obrigatória das novas normas apenas para o balanço fechado de 2010, estava em pauta justamente a capacidade de as empresas apresentarem os dados trimestrais para comparação, o que era exigido pelos analistas.
Mas mesmo que as companhias consigam explicar as mudanças para os investidores e analistas, e que se faça ajustes para se tentar apagar os efeitos das novas normas contábeis, o presidente da Apimec-SP acredita que isso terá efeito apenas no curto prazo.
Com o passar dos trimestres e dos anos, o mercado começa a perder a memória da regra anterior e a trabalhar com os novos números, como se eles sempre tivessem sido mostrados daquela maneira. Isso teria acontecido, segundo ele, na época de transição dos balanços com correção monetária para o padrão atual.
Segundo Galdi, da Fipecafi, é importante que se atente também para o fato de a mudança Título em 2 linhas, 30.5pt em 2 linhascontábil ter como objetivo refletir melhor a realidade da companhia. Se no novo padrão ela parece mais endividada do dia para a noite, por exemplo, talvez seja porque ela de fato tem uma dívida maior do que parecia. (FT)