“As perspectivas para as ações brasileiras não podem ser dissociadas das eleições presidenciais de outubro de 2014.” J.P. Morgan, abril.
“A variável adicionada na América Latina são as eleições no Brasil e, como elas se aproximam, o mercado será cada vez mais direcionado por política em vez de fundamentos econômicos. Em última análise, os fundamentos vão importar e vão reafirmar-se, mas, no curto prazo, os mercados podem optar por ignorá-los.” Citi, junho.
“Nossa análise também sugere o potencial para cenários binários para ações, dependendo das expectativas para as decisões sobre ajuste da política após as eleições. Em nossa opinião, esses extremos colocam a política no centro das decisões de alocação de ações no Brasil.” HSBC, junho.
Os trechos acima foram extraídos de relatórios elaborados por algumas instituições financeiras, mas a lista poderia ser muito mais extensa. No centro das atenções nas últimas duas semanas, o episódio envolvendo o polêmico – e copiado – extrato do Santander enviado a clientes do segmento Select trouxe à tona a discussão sobre a influência do cenário político sobre decisões de investimento, e também sobre o papel de analistas de bancos e corretoras em relação à comunicação com investidores. Mas o banco nunca esteve sozinho nessa seara.
Apesar da indignação causada no governo pelo teor do extrato, no mercado financeiro, o tema eleitoral faz parte do dia a dia das instituições e norteia efetivamente decisões e recomendações de investimento de gestoras de recursos, bancos e corretoras. Também pudera. Neste ano, os juros têm se movimentado em função de pesquisas de intenção de voto e avaliação do governo, e na bolsa o impacto é ainda mais explícito. O Ibovespa já subiu cerca de 24% desde a mínima do ano, em 14 de março. O impulso ganhou força principalmente a partir do fim daquele mês, quando pesquisa CNI/Ibope mostrou que a avaliação positiva do governo Dilma Rousseff havia recuado para os mesmos níveis de setembro de 2013.
Em junho, o J.P. Morgan chegou a reduzir pela metade a exposição “underweight” (equivalente a abaixo da média do mercado, ou venda) em Brasil, dada a perspectiva de uma disputa presidencial mais competitiva e a liderança estreita da presidente nas pesquisas de intenção de voto.
E o banco foi bem direto ao ponto ao listar posições táticas para que os investidores navegassem pela volatilidade política. A estratégia incluía aumentar a exposição a ações sensíveis a juros, diante da avaliação de que uma política mais amigável ao mercado levaria a uma taxa de equilíbrio mais baixa; usar papéis de beta elevado (que variam mais que a média) em setores como serviços públicos, finanças e energia, desde que as empresas não estejam relacionadas ao governo federal; e o uso de um mix de qualidade e valor, com ações que não dependam de um crescimento cíclico da economia e que sejam defensivas à inflação ao mesmo tempo.
Em relatório divulgado aos clientes da área de gestão de patrimônio em julho, o UBS considerou que os mercados estavam atribuindo uma probabilidade baixa à reeleição de Dilma Rousseff, o que deixava a porta aberta para algum desapontamento futuro no mercado de ações. A casa fez ainda diferentes previsões de câmbio para cada cenário: no caso Dilma, o dólar deveria ficar por volta de R$ 2,32, enquanto para a vitória da oposição poderia cair abaixo de R$ 2,20.
A M. Safra & Co, gestora dos recursos da família Safra, em carta de junho, fazia referência ao foco crescente nas pesquisas: “Com a aproximação das eleições, seus resultados ganham importância na determinação do preço dos ativos domésticos”. A casa havia reduzido o prazo das principais posições em seu fundo multimercado, em juro, com base nesse cenário. “O racional para essa mudança esteve embasado na deterioração adicional do quadro fiscal, somada à dinâmica das pesquisas eleitorais, que não favorecem os seguimentos longos da curva de juros”, escreveu a equipe de gestão.
A Gávea Investimentos, por sua vez, comentou o cenário político binário em carta aos cotistas de maio e explicitou as expectativas conforme o vencedor nas urnas. “A entrada de um novo governo com viés reformista e política econômica adequada tenderia a preservar a tendência recente de valorização dos ativos de risco locais, ao passo que a reeleição elevaria as dúvidas sobre a condução das políticas públicas e provavelmente levaria a um novo aumento dos prêmios de risco precificados pelo mercado. Diante desta conjuntura, temos reduzido nossa exposição ao país.”
A gestora Paineiras, na carta do segundo trimestre, apontava sua visão sobre o efeito de uma reeleição nos mercados: “o cenário negativo iria continuar. Não somos partidários da tese que um novo governo Dilma seria diferente, para melhor”. Os gestores diziam, em seguida, que o cenário doméstico havia melhorado, porque tinha surgido uma chance não desprezível de a oposição vencer.
A equipe de gestão do Verde, da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), constatava, na carta de abril, o comportamento do mercado brasileiro de “transformar quedas nas pesquisas de popularidade presidencial em altas nos preços de ativos, especialmente das ações de empresas estatais, em apreciação cambial e em quedas das taxas de juros de longo prazo”. Os gestores citavam ainda que o pêndulo do mercado havia oscilado da convicção total da reeleição para a crença absoluta na vitória da oposição. Assim, reconheciam a importância da disputa política para a formação de preços, ainda que preferissem se apegar aos fundamentos, considerados problemáticos, para reduzir ainda mais a alocação em ações brasileiras.
Sem entrar no julgamento de valor do extrato do Santander, o presidente da Apimec Nacional (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), Reginaldo Ferreira Alexandre, afirma que cabe ao cliente final avaliar as informações recebidas.
No caso em questão, o Valor apurou que o texto partiu de uma funcionária do banco que não é analista e não seguiu o procedimento padrão. Alexandre lembra que todo relatório feito por um analista de valores mobiliários certificado precisa ser assinado, o que não ocorreu no extrato.
“Toda regulação envolvendo o analista, justamente por emitir opinião de investimento e por isso ter responsabilidade sobre as ações, foi feita e desenvolvida procurando assegurar a ausência de conflito de interesses, isenção, independência e integridade. E sempre com vista a preservar o dever fiduciário que esse profissional tem”, diz o presidente da Apimec.
Isso significa avaliar os ativos de maneira isenta e sem limitações, afirma Alexandre. “Tenho que ter a liberdade de expressar opinião, desde que eu tenha feito um trabalho bem fundamentado, esteja seguindo os ritos da profissão, não tenha ultrapassado os limites de conduta. É importante que o profissional possa expressar livremente seu objeto de trabalho.”
O presidente da Apimec ainda destaca que faz parte do trabalho de analistas de setores regulados levar em consideração os cenários macroeconômico e político em suas avaliações.
Ainda que o Santander tenha cometido falhas na forma de divulgação de um conteúdo analítico em um extrato bancário, o que institucionalizou a avaliação, o teor da reação do governo teve consequências diretas sobre o comportamento do mercado financeiro. E não foi à toa. A presidente Dilma Rousseff disse que adotaria uma atitude “bastante clara” em relação ao banco. “Acho inadmissível para qualquer país aceitar qualquer nível de interferência de qualquer integrante do sistema financeiro de forma institucional no sistema político”, afirmou Dilma.
O tema eleições tornou-se, assim, tabu, comentado em tom de voz mais baixo ou acompanhado de um pedido de não divulgação da fonte. “A cacetada do governo foi um aviso aos navegantes”, afirma David Fleischer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, é preciso saber diferenciar propaganda política de informação ao cliente. “Como eu e você, a corretora tem direito de se expressar livremente. Quem vai ser eleito vai fazer grande diferença sobre os rumos da economia no ano que vem. Então os clientes têm que se provisionar em termos de possibilidades”, diz Fleischer.
Emblemática da mudança de comportamento do mercado é a forma como o mais aclamado gestor brasileiro, Luis Stuhlberger, responsável pelo fundo Verde, abriu sua palestra em evento da CFA Society of Brazil na semana passada. “Quero fazer um disclaimer sobre campanha e liberdade eleitoral. Nossa palestra não tem nada a ver com eleição”, afirmou rapidamente.
Na avaliação do professor da UnB, os bancos e corretoras vão de fato tomar mais cuidado ao menos no que tange a que tipo de cliente vão ser destinados os relatórios, evitando o tema quando o destino for um investidor do público de varejo – caso do segmento Select, do Santander.
Os relatórios de mercado costumam ficar restritos aos clientes de alto patrimônio, atendidos pelo private banking. Mas um aplicador de varejo, que no caso do Select precisa comprovar renda mensal a partir de R$ 10 mil e no mínimo R$ 30 mil de investimentos, não tem o direito de também ser bem informado? E se a questão política gera distorções de preços e afeta as aplicações, esse cliente não deve ter ciência desse risco?
É bom lembrar que a principal empresa brasileira, a Petrobras, tem entre os acionistas mais de 530 mil investidores pessoas físicas. E praticamente metade dessa base está em fundos criados com recursos do FGTS e em carteiras setoriais, destinadas inclusive ao cliente de varejo.
O comportamento das ações da petroleira, que tem controle estatal, tem sido diretamente influenciado pelo quadro eleitoral. Desde o dia 14 de março, os papéis preferenciais subiram 51,1%.
Ao demitir funcionários responsáveis pelo extrato, o Santander utilizou o argumento de descumprimento do código de conduta que, segundo o banco, veda explicitamente a elaboração de qualquer análise e posicionamento político ou partidário.
Mas não causou rebuliço no mercado – nem uma reação do próprio banco – a carta de julho do Santander enviada aos clientes do private banking, com mais de R$ 3 milhões investidos. “Sem sombra de dúvidas, os maiores movimentos do Ibovespa ocorreram como resposta às pesquisas, particularmente com o aumento da avaliação negativa do governo que, pela primeira vez, superou a avaliação positiva. No entanto, essa tendência de piora na aprovação governamental também foi interrompida, o que impediu avanço adicional da bolsa”, disse a equipe do Santander, em referência ao mês de junho.