Em pauta: Período de silêncio

Data Original: 01/10/2012
Postado em: 14 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Reportagens - Revista RI

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No último dia 13 de setembro, o II Seminário CODIM – Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado – formado pelas principais entidades do mercado de capitais brasileiro, trouxe à pauta uma velha questão: As empresas usam o “Período de Silêncio” como desculpa para não se comunicar? 

No evento, realizado na BM&FBovespa, a jornalista do Valor Econômico, Graziella Valenti, afirmou que a expressão – Período de Silêncio” é muito forte e pode levar a um entendimento errado por parte das companhias, já que, na verdade, esse momento não deve ser de silêncio absoluto.

De acordo com a Instrução 482/10, a Comissão de Valores Mlobiliários (CVM) determina que a empresa em processo de oferta pública de valores mobiliários, assim que decidida ou projetada, deve abster-se de se manifestar na mídia sobre a oferta ou companhia emissora. O prazo tem início 60 dias antes e é encerrado no anúncio do fim da distribuição.

Bancos, corretoras, consultores e advogados envolvidos no processo também não podem falar, sob risco de serem excluídos da operação – como ocorreu na abertura de capital da VisaNet (atual Cielo), em 2009, quando 23 correto­ras foram desligadas e seus clientes ficaram sem as ações reservadas – por propaganda inapropriada. Segundo os advogados Fabio de Oliveira e Nair Janson do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, o objetivo da autarquia é que o Período de silêncio funcione como uma proteção às influencias nas decisões de investimento.

“A intenção é evitar que a decisão seja influenciada por matérias veiculadas na mídia, que poderiam dar publicidade a informações prestadas pelos administradores de forma inadequada ou não uniforme a todo o mercado”, explicam. No entanto, diante das inseguranças jurídicas e punições, as empresas fecham totalmente o compartilhamento das infor­mações, o que prejudica os investidores e as negociações.

De acordo com a sócia-fundadora da consultoria de relações com investidores GlobalRI, Doris Pompeu, há uma tendência à “síndrome da confidencialidade”, especial-mente quando a empresa está abrindo o capital. “Nesses casos, o mercado é uma novidade e as companhias não têm qualquer experiência em termos de legislação e, na dúvida, tendem a se fechar completamente”, diz.

Em caso de ofertas por parte de empresas que já estão no mercado, e, portanto conhecem as normas e práticas de comunicação, a consultora acredita que pode ser mais fácil encontrar exceções a essa postura tão rígida. Para Sergio Goldstein, gerente do departamento jurídico do ltaú BBA, o receio é do executivo da companhia falar com a imprensa, ser mal interpretado e a CVM congelar a oferta. A infração à regra implica na interrupção da oferta até que a informação seja disseminada, período conheci­do como “cool off”. No limite, a oferta pode ser suspensa. “Quando o mercado começou a se desenvolver no Brasil, até pela falta de experiência, algumas companhias que passavam pelo processo de IPO falaram mais do que de­viam. O regulador atuou corretamente, punindo algumas delas, e isso criou uma aura de preocupação talvez maior do que devesse”, argumenta.

É fato que problemas no processo de ofertas de ações causam grandes prejuízos financeiros, mas atitudes como a falta de transparência com o mercado e a imprensa pode causar danos de imagem com o mercado e a imprensa pode causar danos de imagem muito mais custosos e impactantes aos negócios.

Durante a oferta pública, a única fonte de informação é o prospecto, uma espécie de manual de instruções, que descreve a operação e os riscos potenciais do negócio. A premissa por trás da regra é a de que ele contém todos os dados necessários para o potencial investidor tomar sua decisão de participar, ou não, da oferta.

Muitas vezes, as instituições envolvidas no IPO não atendem a imprensa nem para falar das questões públicas, que já estão registradas na CVM. Mesmo assim, fazem road shows e apresentações para públicos definidos: investidores institucionais locais e internacionais. São esses, por meio da manifestação de suas intenções de compra -“bookbuilding” – que formam o preço da emissão.

Apesar de concordar que os prospectas são peças importantes, Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec SP (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos de São Paulo), afirma que eles pecam em alguns aspectos essenciais. “De uma forma geral, além de serem escritos em linguagem prolixa e empolada, geralmente são carentes de informações em relação ao futuro, que é onde reside o interesse do investidor”.

A jornalista Graziella Valenti defende o princípio de que todos os investidores tenham acesso a todas as informa­ções de forma equitativa. “É muito injusto o investidor pessoa tisica ficar apenas com o prospecto, que é o ma-terial mais árido”. Uma boa solução seria transformar o road show em algo público, que seja gravado e fique disponível na internet, por exemplo. A consultora da Global RI concorda: “Disponibilizar a apresentação e re­alizar reuniões públicas, abertas a todos os interessados é democratizar a informação”.

Já Sergio Goldstein lembra que é preciso considerar que nem todos os públicos terão como pesar riscos e bene­ficias inerentes ao investimento assim como os inves­tidores qualificados, que possuem condições de contra­-argumentar com relação ao que é “vendido” no road show. “Há um risco de deixarmos a empresa falar com o investidor não-qualificado. Mas concordo que é preciso fazer com que o prospecto seja mais ‘user friendly’ (amigável) possível”.

O silêncio em relação à oferta não impli­ca que a empresa não deve se pronunciar sobre outros assuntos relativos à compa­nhia. “O período não pode ser utilizado como forma de escudar-se de prestar in­formações que sejam relevantes e as que habitualmente devem ser divulgadas”, afimam Fábio de Oliveira e Nair Janson. Doris Pompeu ressalta outra prática que se tomou comum no mercado: muitas empresas estenderam o período de si­lêncio para o período de 15 dias anterior à divulgação de resultados. “Isso é uma invenção! A divulgação dos balanços é uma ocorrência rotineira e interromper a comunicação por esse motivo me pa­rece absurdo.

Também não há nada na legislação que imponha isso”. Para Reginaldo Alexandre, o período de silêncio é uma amarra desnecessária. “Ele não só conspira contra aqueles aos quais visaria proteger, principalmente os investidores individuais, como obs­trui a fluidez de informações para uma ampla e eficiente avaliação dos riscos e dos potenciais de ganho da companhia e de suas ações”, afirma.

De acordo com o presidente da Apimec SP o mais apropriado e racional seria que, em vez de proibir, os reguladores exigissem a publicação de toda a informação dispo­nível sobre o emissor e sobre a emissão (apresentações, relatórios de marke­ting e de pesquisa. agendas de road shows, etc). “A identificação de abusos, procedimentos inadequados e avanços indevidos de sinal seria muito mais fá­cil e imediata num ambiente de ‘full disclosure’ como esse”, acredita.

Mesmo a favor da regra, Sergio Goldstein afirma que as companhias devem usá-la de maneira equilibrada: “Minha expecta­tiva é de que o período de silêncio não se transforme em um período de “mudez”, mas sim em um momento de informa­ção seletiva”. O desafio continua: manter o diálogo sem ferir as normas.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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