A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) terá um ano de eleições para a presidência da República tranqüilo, na comparação com o pleito de 2002. Para analistas, o mercadoopera num cenário completamente diferente do que se viu há quatro anos, com muito menos receio por parte dos investidores, e em condições bem melhores.
O Ibovespa fechou 2001, o ano anterior ao das eleições passadas, com 13.577 pontos. Até o dia 20de março de 2002 (data usada para efeitos de comparação com a mesma época deste ano), o indicador subiu 3,77%. Depois disso, no entanto, o temor dos aplicadores pressionou o índice, que recuou 40%, para o piso de 8.370 pontos, em 16 de outubro. O patamar dos 8 mil pontos, aliás, foi estabelecido logo no final de setembro daquele ano, um pouco antes das eleições presidenciais.
Para profissionais consultados, o clima político e estrutural de 2002 era completamente diferente do atual. Eles comentam que um dos principais fatores de pressão para a Bolsa naquela época era o receio de uma mudança na política econômica. “Me lembro de muitos investidores estrangeiros ligando para a corretora, preocupados com a possibilidade de um governo de esquerda ser vitorioso no Brasil”, conta o gestor da AdValorem Reginaldo Alexandre. Naquele ano, ele trabalhava na Itaú. De acordo com o especialista, o estresse não atingiu apenas as ações, mas também os títulos públicos. “Não havia avaliação positiva sobre o candidato Lula. Ele era lido pelo mercado como expectativa de ruptura.”
Luiz Antonio Vaz das Neves, diretor da Planner Corretora, lembra que o medo de rompimento com a comunidade financeira internacional foi reforçado por declarações da própria equipe econômica no poder, do governo Fernando Henrique Cardoso, insinuando que, se eleito, Lula quebraria o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Além do receio interno, sob o aspecto eleitoral, a situação global de liquidez dos mercados também não era das melhores. O mundo vinha do ataque às torres gêmeas nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, e passou a contar com um novo risco: o do terrorismo. Além disso, os mercados ainda estavam se recuperando do estouro da bolha de tecnologia, que derrubou a Nasdaq. Neves lembra que, no mesmo período em que o Ibovespa perdeu 40% do valor, entre março e outubro de 2002, o Dow Jones caiu 23,5% e o Nasdaq recuou 32,8%.
Depois desse estresse, porém, o Ibovespa se recuperou, acumulando valorização de 34% entre meados de outubro e o final de dezembro. A performance fechada de 2002, no entanto, ficou negativa em 33%. O superintendente da Safra Asset Management, Valmir Celestino, conta que a alta também foi puxada pela diminuição do medo dos investidores, à medida em que o novo presidente ia indicando sua equipe e dando declarações conservadoras.
Para este ano, a visão é bem mais tranqüila. “O mercado sabe que não haverá mudança de política econômica nesse cenário que, por enquanto, tem Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) como principais candidatos”, disse Celestino. “Desta vez, todos esperam um pouco mais do mesmo nessa disputa PSDB versus PT, ninguém projeta ruptura”, completou Alexandre, da Advalorem.
Para Neves, da Planner, o cenário ficou mais fácil com a escolha de Alckmin pelo PSDB. Ele lembra que, se o indicado pelo partido fosse José Serra, o medo do rompimento poderia retornar, já que o prefeito de São Paulo é um crítico do atual modelo econômico. “Uma prova de que os mercados gostam do Lula é o fato de os ataques políticos do ano passado praticamente não terem surtido efeito na Bolsa”, disse. “E o Alckmin, com a bandeira do ajuste fiscal, também é bem visto.”
Lika Takahashi, analista-chefe da Fator Corretora, segue na mesma linha de avaliação. Entre os profissionais consultados, ela é a que mais peso dá neste ano para o fator política. Na opinião da especialista, provavelmente Lula não continuará com o mesmo modelo econômico e, caso seja reeleito, terá uma base menor no Congresso, o que deve dificultar a aprovação de medidas. “Mas o mercado está contando pouco com esse risco.” Na opinião de Lika, em essência os riscos de ambos os anos são os mesmos.
Além da questão política, todos os analistas lembram que o cenário internacional é radicalmente diferente agora, o que melhora a situação. “Antes, além de todos os outros riscos, havia também o medo de contágio da crise argentina”, lembra a analista-chefe da Fator. “Mas o mercado veio paulatinamente dissociando as economias”, observou. “E apesar de haver uma expectativa em relação à alta dos juros nos Estados Unidos, há mais tranqüilidade, as bases estão mais sólidas. Muitos emergentes melhoraram o perfil de suas dívidas de 2002 até agora, e o Brasil não é exceção.” O quadro de franca liquidez global também foi citado pelos profissionais.
Reginaldo Alexandre inclui um terceiro fator positivo para a situação atual, que é a perspectiva interna macroeconômica mais clara. “A possibilidade de crise cambial está afastada e pode haver um crescimento maior da economia este ano.”
Evolução – Passado o susto com a eleição de Lula para a Presidência, de 2002 a 2006 a Bovespa teve altas fortíssimas. De 20 de março daquele ano até a mesma data desta semana, o Ibovespa subiu 170%. Se a comparação for feita com o nível mais baixo de 2002, em outubro, a valorização da Bolsa foi de nada menos que 354,6%. Para os especialistas, o Brasil pegou carona num movimento global de melhoria dos mercados.
Luiz Antonio Vaz das Neves, da Planner, lembra que logo após as perdas de 2002 houve um boom dos títulos de países emergentes, com conseqüente queda de seus riscos. “A mistura do governo conservador de Lula com o cenário externo favorável ajudou nessas altas”, disse.
“Parte desse ganho foi recuperação, já que as Bolsas vinham de um período negativo e o mercado reagiu fortemente a uma expectativa de ruptura, que acabou não se confirmando”, completou Alexandre, da Advalorem. Ele lembrou que 2003 teve uma franca recomposição de preços das companhias abertas, e que os novos lançamentos de ações também ajudaram. “As emissões vieram com melhoras na governança corporativa, tanto primárias quanto secundárias.”
Além da recuperação dos múltiplos das empresas, Valmir Celestino lembra que em 2004 a balança comercial do País foi boa, e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superou 4%. “Mas o principal foi mesmo o comportamento do mercado externo. Houve um excesso de liquidez migrando para outros países e o volume da Bovespa subiu, mudou de patamar.”
No final do ano passado, o Ibovespa fechou valendo 33.455 pontos. A alta até 20 de março foi de 14,20%. Para os especialistas, não há chance de o índice passar pela queda de 40% verificada em 2002, até outubro. Eles dizem, no entanto, que o mercado ficará de olho na taxa de juros dos Estados Unidos. De qualquer maneira, se houver risco, ele virá do exterior.
(Aline Cury Zampieri)