Exercício de confiança

Data Original: 12/11/2009
Postado em: 15 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Reportagens - Valor Econômico

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Governança corporativa é um destino e não uma jornada. Esta é a constatação da maioria dos executivos ao se referir às práticas de transparência como diferencial competitivo na busca da confiança do investidor. Para a maioria dos especialistas, investidores, acionistas e empresas premiadas por suas práticas, divulgações transparentes são muito mais que uma exigência. Trata-se do único caminho para ter credibilidade e atrair o capital do investidor a um custo que dê sustentabilidade ao empreendimento.

Quem esperava ver nomes como Lehman Brothers, Bear Sterns, AIG, Société Générale, Agrenco, além das brasileiras Sadia e Aracruz nas manchetes dos jornais, citadas como empresas que mais trouxeram perdas aos acionistas por ignorarem alguns riscos fundamentais dentro das regras básicas de governança?

Ao que tudo indica, a tendência pós-crise é de que as boas práticas sejam incorporadas ao dia a dia. Quem não aderir estará condenado a ficar fora de cena a longo prazo. Principalmente as empresas que precisarem captar recursos para crescer. “As companhias perceberam que isso agrega valor. Por uma razão simples. Quanto mais transparente, melhor o custo do capital. De uma forma geral isso leva a uma redução de percepção de risco”, diz Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) São Paulo.

A Apimec se prepara para apoiar a CVM na autoregulamentação dos analistas de mercado, informa Lucy Sousa, presidente da entidade. “A CVM tem muitas atribuições e por isso vamos colaborar”, diz. Será criada uma ouvidoria para os profissionais, que terão as suas análises acompanhadas de perto pela associação. Se for detectada alguma informação fora da média, técnicos poderão comprovar o teor e a qualidade do estudo feito pelo analista.

A história de governança no Brasil teve início com as práticas implementadas pela Bovespa, hoje BMF&Bovespa, em 2000, quando foi lançado o Novo Mercado, mais alto nível de governança entre as empresas de capital aberto e que se transformou em referência mundial, com 103 companhias em nove anos de existência.

Bolsas de países emergentes como Índia e Filipinas estudam o caso brasileiro como modelo para a criação de critérios mais transparentes em seus mercados, a fim de aumentar o interesse de investidores pelas empresas do país. Cristiane Pereira, diretora de relações com empresas da BMF&Bovespa, reconhece que se trata de um conjunto de iniciativas que exige muito das companhias. As práticas requerem uma mudança cultural nas empresas. E não se limita ao período de implementação. “Governança é um processo dinâmico. A prática de boa conduta e transparência requer adaptação a cenários reais do dia a dia.”

Prova disso são as constantes discussões sobre o tema. Com a crise, governança se transformou em uma das pautas prioritárias dos órgãos reguladores. Os principais temas tratados nos países são basicamente os mesmos. Mas há peculiaridades, como explica Sidney Ito, sócio responsável pela área de governança corporativa da KPMG no Brasil.

Nos EUA, entre os debates está a necessidade de separação entre o cargo do presidente do conselho do de presidente da empresa. Lá, ao contrário do que se imagina, essa situação é mais comum do que no Brasil, segundo Ito. De acordo com estudo da KPMG em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), nesse quesito o Brasil está avançado. São poucos os casos em que o presidente executivo é também presidente do conselho. Das 99 empresas do Novo Mercado em 2008, só 21% tinham o mesmo executivo para as duas funções.

O segundo tema em pauta trata da remuneração variável dos executivos. É um assunto delicado em especial para uma economia onde a cultura do bônus é praticada pela maioria das empresas. Al Gore, ex-vice-presidente americano e que se tornou um dos grandes defensores da sustentabilidade corporativa, costuma dizer em suas palestras que a remuneração variável em bases trimestrais ou anuais é o grande problema a ser combatido nos EUA.

O terceiro grande tema de governança é o do gerenciamento de risco. E nesse aspecto o Brasil deixa a desejar, na visão do executivo da KPMG. Não se fala mais nas regras da lei Sarbanes-Oxley, criadas nos EUA para garantir a exatidão das demonstrações financeiras após a crise de fraudes contábeis do início desta década, de escândalos envolvendo Enron e Worldcom.

Segundo os especialistas, nesta crise, faltou prudência no gerenciamento de riscos das operações como um todo, e não só os financeiros. Houve vários problemas por falta de gerenciamento de risco estratégico, como a decisão dos bancos em atuar em subprime, nicho de mercado de alto risco. Além de outros, como de imagem, de reputação, bem como de fraude, como os casos Société Générale e Madoff.

Estruturar ações de gerenciamento de risco é visto como peça fundamental hoje pelos membros do conselho de administração. Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o conselho tem duas grandes responsabilidades: estabelecer as estratégias da empresa e o chamado compliance. Mas o que acaba acontecendo na prática é que os membros se concentram nas estratégias, deixando o compliance, ou seja, a necessidade de agir de acordo com as regras, para os diretores.

Segundo o consultor da KPMG, um tema que ele sempre discute com os conselheiros tem a ver com os maiores riscos aos quais a empresa está exposta. A maioria os conhece, mas não cria processos para monitorá-los. “Se os membros forem substituídos de um dia para outro, ninguém saberá quais são esses riscos, pois eles estão na cabeça de cada um”, diz. Para a KPMG, o primeiro risco é o estratégico, seguido pelo de imagem e reputação. Qual a medida a ser tomada se acontecer algo que abale a imagem da empresa? Há um plano de contingência? O sistema de TI é seguro o suficiente para evitar fraudes como as já ocorridas no mercado?

No Brasil, o assunto governança é motivo de conversas diárias. BMF&Bovespa e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) preparam reformas que deixarão o Brasil em posição de mais destaque no mercado internacional. A BM&FBovespa iniciou em 3 de novembro de 2008 o quarto processo de revisão do regulamento de governança corporativa do mercado de ações desde 2000. O último havia sido em 2006, quando teve início o boom de Oferta Inicial de Ações (IPO, na sigla em inglês) na bolsa.

O primeiro passo foi a criação da Câmara Consultiva do Novo Mercado, composta por 21 dos mais respeitados profissionais do mercado de capitais. O grupo foi responsável pela elaboração de uma proposta de alteração dos atuais regulamentos. As sugestões foram agrupadas em oito grandes temas, sendo os mais polêmicos os que se referem ao conselho de administração e as “poison pills” (pílulas de veneno). O assunto faz parte do debate e não há um prazo para as sugestões serem definitivamente implementadas. O atual estágio da bolsa é a elaboração dos novos regulamentos, balanceando as recomendações da Câmara Consultiva do Novo Mercado e as manifestações das companhias.

As “poison pills” foram criadas com o objetivo de proteger as empresas de capital pulverizado contra ofertas hostis, e foram largamente adotadas pelas companhias listadas na bolsa. A média do percentual para disparar o gatilho da oferta varia de 10% a 20% do capital. Das 100 companhias do Novo Mercado, 54 possuem “poison pills”, sendo que metade dessas adota cláusulas pétreas. Este é um assunto que enfrenta resistência nos debates de elaboração das novas regras. “O Brasil tem de evoluir nisso”, diz João Nogueira Batista, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri).

A CVM finaliza a reforma na Instrução CVM 202, que aprimorará o formulário padrão de informações anuais hoje conhecido como IAN. O objetivo da mudança é dar mais qualidade às informações fornecidas pelas companhias.

Um dos pontos mais polêmicos e que recebeu forte resistência durante a audiência pública da CVM foi a proposta de exigir a abertura individual dos dados de remuneração de diretores e conselheiros. A saída da autarquia foi optar por um modelo mais flexível, sem nomear os donos dos ganhos milionários.

Entre as principais dificuldades de empresas para ingressar no mundo da governança está estabelecer um conselho de administração, ainda uma novidade para grande parte das candidatas a captar recursos via emissão de ações. De acordo com a diretora da BM&F Bovespa, as famílias fundadoras temem perder o controle da companhia. “Ter de criar um conselho é tão problemático para alguns empresas, que muitas vezes elas optam por outros caminhos para se capitalizar”, diz.

Emanuel Dutra, CFO da Alog Data Centers do Brasil, empresa que se prepara para abrir capital em 2010 ingressando no Bovespa Mais, diz que implementar práticas de governança corporativa faz parte da “dor do crescimento”. A empresa criou a estrutura do conselho de administração. “São seis conselheiros e mais um independente. A figura dos conselheiros traz uma visão nova.”

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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