O investidor estrangeiro, que costuma ditar os rumos na bolsa local, voltou ao Brasil no terceiro trimestre, com uma força que provocou uma reversão no saldo aplicado na Bovespa e fez setembro registrar o segundo melhor resultado mensal do ano, ficando atrás apenas de janeiro. Mas, para analistas, o movimento foi pontual e não deve mais ser visto no quarto trimestre. As perspectivas não são negativas, mas o impasse fiscal nos Estados Unidos representa uma trava importante para todos os mercados, inclusive o brasileiro.
O fluxo de capital externo, que fechou negativo em R$ 4 bilhões em junho – pior mês de 2013 -, começou se reverter, ainda que moderadamente, nos três meses seguintes, contribuindo para a recuperação do Ibovespa. A virada começou tímida, com saldo líquido de R$ 58 milhões em julho, mas alcançou R$ 2,1 bilhões em agosto e R$ 4,248 bilhões em setembro – volume que só ficou abaixo do registrado em janeiro, de R$ 4,576 bilhões.
Com isso, o Ibovespa, que amargava queda de 22,1% no primeiro semestre, conseguiu reduzir as perdas no acumulado do ano para 14,1% até setembro. O movimento, contudo, foi apenas de recomposição, segundo analistas, já que a posição em Brasil estava muito descontada. Dúvidas sobre o crescimento da economia, pressão inflacionária, câmbio instável, eleições em 2014 e um relacionamento nervoso entre mercado financeiro e governo federal deixaram o Brasil na lanterna das bolsas mundiais. Problemas com a OGX, companhia de petróleo de Eike Batista e que faz parte do Ibovespa, também pressionaram o índice.
“Foi um acúmulo de frustrações, que acabou gerando apostas muito negativas [lá atrás]”, diz o presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), Reginaldo Alexandre. “Esse quadro gerou efeitos colaterais, com a montagem de operações de derivativos, o que acaba alavancando o movimento e o mercado se torna sobrevendido”, afirma.
Além disso, destaca o estrategista do BB Investimentos, Hamilton Moreira Alves, em junho, o mercado passou a embutir em suas perspectivas a possibilidade de rebaixamento do rating soberano do Brasil, e a Bovespa ficou muito descontada. “Essa projeção criou uma pressão de cerca de 10 mil pontos no Ibovespa.”
A partir de julho, indicadores mundiais começaram a melhorar, o que provocou transferência de recursos para ações em todo o mundo, não apenas no Brasil, segundo Alexandre Póvoa, sócio da gestora Canepa Asset Management. “Saíram números melhores na China, nos Estados Unidos e até na Europa. Então, os estrangeiros começaram a eliminar as posições vendidas no Ibovespa futuro, até ficarem com saldo comprado”, diz. “A primeira coisa que o estrangeiro faz quando percebe uma melhora no cenário é zerar as posições vendidas.”
Com o maior apetite para risco, o investidor estrangeiro também acabou aumentando sua participação no volume negociado na Bovespa. Em setembro, os aplicadores do exterior ampliaram a liderança de movimentação financeira, com 46,13% do total, ante 42,09% em agosto. Os institucionais mantiveram a segunda posição, mas sua participação caiu de 34,25% para 32,01%. As pessoas físicas continuam a sair da bolsa. Foram responsáveis por 14,93% do total, ante 15,95% em agosto.
“Esse tipo de movimentação é histórico”, diz Alexandre, da Apimec. “Em momentos de recuperação, o estrangeiro sempre se posiciona antes, o local tem uma visão mais crítica. As dúvidas em relação ao desempenho da economia e ao cenário político pesam mais para os locais”, diz.
Depois do alívio que fez com que o terceiro trimestre do ano mostrasse recuperação, a exemplo do que aconteceu em janeiro, a tendência é de retorno à normalidade, acredita Alves, do BB. “O Ibovespa já bateu os 55 mil pontos, que é nossa meta para o ano, e não teve firmeza para sustentá-la”, comenta.
Para os especialistas, a tendência é de o índice variar pouco, ou ter uma pequena alta. A principal trava está nos Estados Unidos, e no impasse em relação ao Orçamento e ao teto da dívida do país. “Minha expectativa é que os Estados Unidos façam um acordo tampão e empurrem a decisão final para dezembro”, afirma Alves.
“O mês de outubro vai ser duro”, avalia Póvoa. A questão dos Estados Unidos é grave e o país pode anunciar default da dívida, o que deve gerar desconforto, argumenta. “Mas, se esse obstáculo for ultrapassado, podemos ter um fim de ano melhor, mais leve. Não será nada explosivo, mas se a China mantiver seu crescimento, a economia dos Estados Unidos continuar melhorando e a Europa não piorar, o quadro fica mais positivo.”
Os efeitos da trava do impasse americano já são sentidos na Bovespa. O volume médio diário, que em setembro ficou em R$ 7,1 bilhões, caiu para R$ 4,7 bilhões neste mês, um recuo de 34%. O Ibovespa sobe 0,2% até o dia 7 e o investidor estrangeiro tem saldo positivo no mês de apenas R$ 5,1 milhões até o dia 4.
“O aperto monetário nos Estados Unidos já está mais ou menos no preço. Se a questão fiscal se resolver, é eliminada uma trava, mas nada mudou por aqui”, lembra Alexandre, da Apimec. “Não vejo grandes perspectivas de mudanças”, comenta.
Will Landers, principal gestor de fundos para a América Latina da americana BlackRock, é mais otimista. Ele diz que, apesar dos riscos e de o país continuar a ter desempenho pior que os mercados globais, as ações brasileiras seguem com recomendação “top overweight” (acima da média do mercado) e negociando a uma relação preço/lucro (indicador que dá ideia do prazo de retorno do investimento) de 9 vezes na projeção para 2014. “Esperamos crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em torno de 2,5%, o que é um expansão maior do que a vista nos últimos dois anos.”
Para Landers, a redução na perspectiva do rating soberano do Brasil pela Moody’s feita recentemente, de positiva para estável, levantou outra bandeira de alerta sobre os riscos da recuperação econômica do país e a necessidade de trazer o crescimento para um nível de 3%. “Já vínhamos comentando que o principal risco para as ações brasileiras este ano seria uma recuperação fraca da economia, o que até agora tem sido o caso”, afirma. “Ainda assim, estamos vendo sinais de recuperação, redução do ritmo da inflação e indicações de que o Banco Central vem sendo mais ativo na questão inflacionária”, diz.
No geral, o anúncio da Moody’s deve servir como alerta para o governo brasileiro. “São necessárias reformas para reduzir o custo de fazer negócios no Brasil, mais agilidade para atrair investidores privados para projetos de infraestrutura e mais atenção na questão fiscal”, afirma Landers.
Para Alves, do BB, o setor de consumo deve ter boa performance, apesar da alta nos juros. “Será preciso pincelar ações específicas”, afirma. (Por Aline Cury Zampieri)