A inflação e as distorções no patrimônio das empresas

Data Original: 19/07/2005
Postado em: 14 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Há quase uma década, as demonstrações contábeis não têm sido mais corrigidas monetariamente. A extinção da correção monetária teve importantes efeitos distributivos e fiscais para as empresas, pois alterou as bases de cálculo dos dividendos e do imposto de renda. Houve também desenvolvimentos paralelos, para os quais a suspensão da correção monetária dos balanços concorreu.

Os hoje tão em voga juros sobre o capital próprio – renúncia fiscal em favor das companhias e, indiretamente, de seus acionistas – se originaram nessa época e vieram como uma compensação às perdas que as empresas teriam por não poder mais reconhecer, para fins tributários, as perdas inflacionárias a que estavam expostas. A economia brasileira tem registrado índices baixos de inflação nos últimos anos (quando se leva em conta nossa experiência histórica), mas isso não quer dizer que não haja efeitos inflacionários importantes a serem reconhecidos.

Ainda que as variações nos índices de preços em base mensal ou anual possam ser reduzidas, quando se considera a variação acumulada da inflação nos últimos anos percebe-se claramente que o dado não é desprezível. De 1996 a 2004, compreendendo o mesmo período desde a extinção da correção monetária dos balanços, o IGP-M (GV) e o IPCA (IBGE) tiveram variações acumuladas de 167,3% e 92,8%, respectivamente. Variações dessa magnitude tornam relevante e momentânea a retomada da discussão sobre a necessidade de os usuários terem acesso a demonstrações contábeis em moeda constante.

Talvez valha a pena, para situar mais adequadamente a questão, recordar em grandes linhas como funcionava essa correção monetária. As empresas apresentavam dois demonstrativos. A primeira, pela legislação societária. Outro em moeda de poder aquisitivo constante ou pela correção integral – em que os todos ativos e passivos, assim como os fluxos de receitas, custos e despesas eram indexados a um índice de referência-, no qual eram expressos, sendo convertidos em moeda corrente apenas para fins de apresentação.

Mesmo os demonstrativos pela legislação societária previam um mecanismo de indexação, cujo escopo era, no entanto, limitado, prevendo apenas a correção monetária do ativo permanente e do patrimônio líquido, que geravam respectivamente um crédito (receita) e um débito (despesa), cujo resultado era transferido para o resultado do exercício como um ganho líquido ou uma perda líquida.

A perda era deduzida das bases de cálculo dos dividendos e do imposto de renda; o ganho, quando realizado financeiramente, era acrescentado a essas bases. Ainda que esses efeitos tributários e societários sejam relevantes, o ponto que queremos destacar aqui – às empresas, analistas, gestores de recursos e outros usuários das demonstrações contábeis – é que a inflação acumulada nos últimos anos certamente já produziu distorções significativas na situação patrimonial das empresas. Confirmam-se, assim, as razões que levaram à grande resistência para que houvesse aceitação da publicação exclusiva de demonstrações pela legislação societária nos primeiros anos após o banimento da correção monetária das demonstrações contábeis.

Era disseminada a crença de que, mesmo que os índices de inflação continuassem baixos, em prazos mais longos haveria efeitos importantes nas contas patrimoniais das empresas, que não seriam adequadamente refletidos pelas demonstrações elaboradas de acordo com a legislação societária, sem correção monetária.

Assim, por mais alguns anos, voluntariamente, em razão de demanda do mercado, as companhias continuaram a publicar demonstrações elaboradas em moeda constante, juntamente com as demonstrações oficiais. Já são graves as conseqüências produzidas pelos efeitos inflacionários dos últimos anos nas demonstrações contábeis. Uma cortina de fumaça, porém, impede que essas distorções sejam claramente identificadas.

A elaboração e a publicação voluntária de demonstrativos em moeda de capacidade aquisitiva constante pelas empresas eliminaria esses desvirtuamentos. Sua divulgação seria especialmente útil à análise comparativa. As companhias darão uma prova de transparência e avançarão um grande passo em direção à boa governança corporativa ao disponibilizar essas demonstrações.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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