Investidor local dita vaivém do mercado

Postado em: 3 de outubro de 2014 por: Reginaldo Alexandre
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Reportagens - Valor Econômico

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A mudança repentina do quadro eleitoral mostrada pelas pesquisas de opinião pegou o investidor local em ações e renda fixa no contrapé. Muito mais sensível que os investidores estrangeiros aos efeitos da definição do próximo governo sobre a economia e o valor dos ativos, o capital doméstico vinha assumindo posições a partir da aposta de que haveria uma vitória da oposição e, na última semana, teve de corrigir sua rota. É ele, portanto, quem mais sofre neste momento, em que a perspectiva de reeleição volta a ganhar força.

Na Bovespa, enquanto o saldo de capital externo bate sucessivos recordes de ingressos líquidos, os aplicadores locais retiraram recursos em praticamente todos os meses do ano. A exceção ficou por conta de agosto, justamente o mês em que o candidato Eduardo Campos (PSB) morreu em um acidente de avião e Marina Silva ganhou força como opção a Dilma Rousseff.

Em agosto, o saldo do investidor institucional local na Bovespa ficou positivo em R$ 339,811 milhões. Já os estrangeiros iniciaram o ano com um pé atrás e janeiro teve saldo negativo de R$ 854,5 milhões. Mas os outros meses registraram ingressos. Inclusive agosto, de R$ 1,917 bilhão. Setembro, mês de correção forte dos preços, em que o Ibovespa amargou perda de 11,7%, registrou forte ingresso do estrangeiro: R$ 4,225 bilhões. Mas o local voltou a vender, e o saldo ficou negativo em R$ 5,228 bilhões.

“O estrangeiro analisa o Brasil dentro de um contexto maior”, diz Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) e sócio da Proxycon. Segundo ele, a análise de Brasil muitas vezes é confrontada com emergentes em situação pior. “O que para brasileiros pode ser uma visão ruim, para eles talvez não seja o fim do mundo.” Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global, acrescenta que a exposição do estrangeiro a Brasil é muito menor, caso seja levado em conta o tamanho dos portfólios.

Um gestor de um banco internacional que preferiu não ser identificado diz que, apesar do saldo positivo, muitas operações dos estrangeiros na Bovespa têm sido mais resultado de arbitragens com outros mercados do que de compras de fundos de longo prazo.

No mercado de renda fixa, a participação do estrangeiro também só fez crescer nos últimos meses e alcançou um novo recorde, de 18,80% do total da dívida mobiliária, em agosto, último dado disponível. Em dezembro de 2013, essa fatia equivalia a 16,10%. Embora não haja estatísticas claras sobre o mercado de juros futuros, a percepção dos especialistas é de que o agente estrangeiro vem operando em uma única direção desde o início do ano: na ponta vendedora (aplicando nas taxas), atraído pelo expressivo diferencial de juros pagos pelo país.

Já o agente local, muito pessimista com o rumo da política fiscal, com a inflação alta e decepcionado com o crescimento da economia, operava em outra direção. E foi por causa das pesquisas eleitorais que esse participante local começou, em agosto, também a ampliar o fluxo vendedor no mercado de juros, o que provocou uma sensível queda das taxas de longo prazo.

Um bom termômetro foi o que se viu nos títulos NTN-B com vencimento em 2050, o papel mais longo emitido pelo Tesouro, bastante demandado por fundos de pensão por garantir uma taxa prefixada mais a variação do IPCA. Esse papel rendia uma taxa próxima a 6% em meados de agosto e, com o fluxo que se viu a partir da pesquisa Datafolha do dia 18 daquele mês, mostrando chances de a candidata Marina Silva ir para o segundo turno das eleições, cedeu à mínima de 5,32%. Na última segunda, após as novas sondagens mostrarem chances renovadas de reeleição de Dilma Rousseff, a taxa voltou a subir e se aproximou dos 6,5%.

“Claramente, quem havia montado posições novas a partir das apostas eleitorais foi o local, e foi ele que viu sua posição perder valor”, diz Vitor Péricles Carvalho, da gestora Laic-HFM. Quem ampliou posições em títulos públicos no mês de setembro, de fato, perdeu. O IMA-B 5+, índice calculado pela Anbima, que mede o desempenho das NTN-Bs com vencimento superior a cinco anos, fechou setembro com perda de 5,43%.

A percepção de profissionais, entretanto, foi de que os ingressos de capital externo para renda fixa diminuíram no mês de setembro, mas não foram revertidos. “O ritmo é menor, o estrangeiro parece estar mais cauteloso, até porque há muitas questões externas na pauta”, afirma Carvalho, referindo-se ao futuro da política monetária americana. Ainda assim, os juros futuros de longo prazo, termômetro direto das apostas dos investidores para o rumo da política econômica, dispararam.

Esse vaivém do investidor estrangeiro, consequentemente, afeta o câmbio. Mas é preciso considerar que a cotação está também muito sujeita à perspectiva de elevação dos juros pelo Federal Reserve e as intervenções do Banco Central tornam a leitura ainda mais turva, já que o BC é visto como o único grande vendedor de moeda estrangeira atualmente, enquanto o mercado – estrangeiro e local – atua na ponta compradora.

O mercado futuro da BM&F serve de termômetro da dinâmica de atuação dos diferentes agentes. Somando contratos de dólar futuro, cupom cambial e swap cambial, os bancos fecharam setembro com posição comprada em dólar de US$ 41,2 bilhões. Investidores institucionais sustentavam aposta na alta do dólar no montante de US$ 24,6 bilhões, enquanto estrangeiros estavam comprados em dólar em US$ 29,6 bilhões.

Em setembro, mês da disparada do dólar, os bancos reforçaram suas apostas na alta da divisa americana em US$ 3,8 bilhões, enquanto os investidores institucionais e estrangeiros tiveram movimentações bem menores: os fundos venderam US$ 344,7 milhões em derivativos cambiais, enquanto os investidores internacionais compraram US$ 648 milhões nesses papéis.

Para especialistas, o fato de o investidor estrangeiro manter sangue-frio em meio à recente instabilidade não deve ser lido como um sinal de otimismo, mas sim como uma tentativa de aproveitar boas oportunidades de ganho. Não se pode descartar, portanto, uma mudança da dinâmica desse fluxo após as eleições, especialmente se os resultados colocarem em risco o cenário de longo prazo da economia brasileira. Isso porque as incertezas com o rumo da política monetária americana tendem a ganhar cada vez mais relevância na formação dos preços globais.

“A presença do estrangeiro ajuda a amortecer o efeito eleições, promovido pelo capital doméstico. Mas, a depender dos próximos passos do governo, pode também representar um potencial de maior instabilidade”, diz Carvalho, da Laic-HFM.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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