A necessidade de disciplinar as incorporações de ações

Data Original: 17/06/2009
Postado em: 15 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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As operações de incorporação de ações vêm gerando grande polêmica. As incorporações de ações, em suas diversas modalidades, têm sido instrumento para a transferência de controle de companhias em lugar da venda pura e simples. Além de motivações fiscais, essas operações têm o objetivo de evitar a deflagração do “tag along”, ou seja, do direito de o acionista minoritário receber o equivalente a pelo menos 80% do preço pago ao acionista controlador pela venda de suas ações – podendo esse valor ser integral no caso de companhias listadas no Novo Mercado. A legislação exige que as operações sejam liquidadas financeiramente para gerar tais direitos.

Têm sido tão frequentes os casos em que as alienações tradicionais de controle praticamente saíram de cena. Muitas dessas operações passam por cima do direito de “tag along” que teriam os acionistas minoritários em caso de uma venda normal. Prevalece a forma (incorporação de ações) sobre a essência (a efetiva alienação de controle), ao custo da subtração de expectativas legítimas de direito. Desnecessário dizer que essa instabilidade gera um ambiente inseguro de investimento

Mesmo quando as operações são mais comutativas e procuraram resguardar os direitos de “tag along” dos minoritários, resta o desconforto da compulsoriedade. A incorporação de ações deixa o acionista encilhado: não lhe resta alternativa senão aceitar a relação de troca de ações proposta pelo controlador ou vender seus papéis pelo preço que o mercado oferecer naquele momento.

Essas incorporações deveriam ser instruídas por ofertas públicas para aquisição de ações, que dariam oportunidade de o minoritário aceitar ou não a relação de troca oferecida, forçando os controladores a oferecer condições mais equitativas para sua consecução.

A premência de as incorporações de ações serem precedidas por ofertas públicas de aquisição – ou por outros instrumentos indutores de comutatividade – fica patente quando se examinam as operações que envolvem ações preferenciais sem direito a “tag along”.

As relações de troca nesses casos têm manifestado assimetrias gritantes em favor de controladores, flertando mesmo em alguns casos com a expropriação patrimonial. As operações mais recentes, construídas na esteira da crise financeira internacional, trazem um agravante: o apoio do BNDES a essas estruturas.

O Parecer de Orientação 35, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), estabelece que, no contexto das operações de fusão, incorporação e incorporação de ações, os administradores devem negociar uma relação de troca de ações equitativa para os acionistas de ambas as companhias, refletindo o valor de cada uma delas e repartindo entre elas os potenciais ganhos obtidos com a operação.

A orientação da CVM é de que, embora a relação de troca possa ser negociada livremente, a posição do administrador em operações de incorporação de ações deve ser tomada em benefícios de todos os acionistas e não apenas de seu controlador. Os administradores podem rejeitar a operação caso os termos e condições propostas sejam insatisfatórios.

Além de outras sugestões acerca dos deveres fiduciários dos administradores, no Parecer de Orientação 35, a CVM recomenda os seguintes procedimentos em casos de fusão, incorporação e incorporação de ações:

1) a constituição de um comitê especial independente para negociar a operação e submeter suas recomendações ao conselho de administração; ou

2) que a operação seja condicionada à aprovação da maioria dos acionistas não-controladores, inclusive os titulares de ações sem direito a voto ou com voto restrito.

Por razões fáceis de presumir, as companhias não têm usado esse último caminho. Também previsivelmente, mesmo diante de assimetrias que saltam aos olhos, os comitês especiais ditos independentes não têm feito mais do que corroborar as condições e as relações de troca definidas “ex ante” pelos controladores.

Por onde passa um boi, passa uma boiada. Se os reguladores não agirem pronta e energicamente, será uma questão de tempo para termos outras operações lesivas vindo a mercado pela porta das incorporações de ações.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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