Os avanços institucionais do mercado em 2010

Data Original: 26/01/2011
Postado em: 15 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Assim como grandes presentes às vezes vêm em pequenas caixas, há ocasiões em que, na área institucional, há avanços cuja importância não aflora à primeira vista.

À parte o marco histórico de aprimoramento de qualidade representado pela convergência das normas contábeis brasileiras às internacionais, o ano que passou trouxe também outros avanços institucionais importantes, capitaneados por algumas medidas na área de regulação do mercado.

A primeira foi uma decisão do colegiado da CVM a respeito da possibilidade de o acionista controlador da Tractebel Energia S.A. (Tractebel) votar na assembleia sobre a aquisição de ações da empresa sob controle comum Suez Energia Renovável S.A. (SER).

A intervenção da CVM – que ocorreu porque a operação envolvia contrato bilateral entre companhia e acionista controlador, com potencial de gerar conflitos de interesse com minoritários – baseou-se na Lei das Sociedades Anônimas, que estabelece (artigo 115, § 1º) que “o acionista não poderá votar nas deliberações…que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.”

Essa interdição da lei tem caráter preventivo. A proibição de voto vigoraria mesmo que a deliberação tratasse de benefícios perfeitamente lícitos, que poderiam coincidir com o interesse da companhia.

O colegiado da CVM então decidiu, com o propósito de eliminar ex ante o risco de conflito de interesse, que o controlador deveria abster-se de votar na assembleia que fosse decidir a compra das ações da SER pela Tractebel. A operação acabou sendo concluída normalmente depois, com a aprovação dos acionistas minoritários.

O diretor-relator do caso apontou em seu voto para o alcance da decisão: “Parece-me que o legislador foi sábio ao afirmar que controladores que possuem interesses conflitantes não devem votar nas assembleias. Qual o efeito prático dessa medida? O controlador é obrigado (uma vez que não terá poder integral de aprovar a transação) a elaborar uma proposta que atenda minimamente aos interesses dos minoritários. Caso contrário, ela não será aceita e o negócio não será concretizado. Nessa situação, ele não terá incentivos para elaborar uma proposta que não atenda aos interesses dos minoritários. Existe um alinhamento natural.”

Tomara que a mesma interpretação – que ainda é relativa a um caso específico, sem a força impositiva de uma norma – se aplique a outras circunstâncias que têm essencialmente as mesmas características, a começar pelas operações de fusão e incorporação entre empresas sob controle comum.

A premência de reforçar os mecanismos indutores de comutatividade – e a abstenção de voto do controlador é o principal deles – fica patente quando se examinam incorporações de ações recentes. As relações de troca nessas operações têm manifestado assimetrias gritantes em favor dos controladores, flertando mesmo, quando envolvem ações preferenciais, com a expropriação patrimonial.

O regulador terá que estar atento também a manifestações mais sutis de conflito de interesse entre controladores e minoritários. Eis um exemplo vivo, que está na praça no momento: um novo acionista paga um prêmio de controle exuberante – dez vezes o valor de mercado – para passar a fazer parte do bloco de controle de uma companhia aberta.

Ato contínuo, essa companhia anuncia um aumento brutal de capital – dobrando o número atual de ações, a um preço fixo -, com o controlador entrante dispondo-se a adquirir as parcelas dos acionistas que não tiverem fôlego para acompanhar tal aumento. Isso com o propósito de dissolver o prêmio de controle que pagou ao antigo controlador. Aumentos de capital diluidores podem escamotear interesses de controladores travestidos de necessidades do negócio.

Uma segunda decisão crucial do regulador impôs inabilitação temporária, em um caso, e multas, nos demais, aos administradores envolvidos no caso de perdas cambiais da Sadia em 2008.

As penalidades foram brandas, em vista da magnitude das perdas incorridas pela companhia, mas constituíram uma sinalização clara da necessidade de observação das obrigações de diligência por parte dos administradores de empresas de capital aberto. É imprescindível que os conselhos de administração e fiscal, assim como órgãos auxiliares como os comitês de auditoria, cumpram seu papel com efetividade, competência e empenho.

Para tanto, é preciso que haja critério e rigor dos acionistas na escolha de seus membros. Os conselhos devem ser lugar para profissionais qualificados, responsáveis e diligentes, com vistas à preservação da integridade do patrimônio das companhias.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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