Os caminhos do capital eficiente

Postado em: 3 de março de 2015 por: Reginaldo Alexandre
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Reportagens - Revista Mundo Corporativo

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A infraestrutura é uma área que ainda tem muito a se desenvolver no Brasil – e que, até por isso,
oferece grandes oportunidades. Porém, para que os empreendimentos deslanchem, é preciso contar com planejamento e gestão adequada dos projetos de capital e de infraestrutura durante todo o ciclo do investimento.

As grandes demandas do Brasil em infraestrutura colocam o País na posição de um dos poucos do mundo a oferecer tantas oportunidades de investimento nessa área. Nos próximos quatro

anos, de acordo com o estudo “Perspectivas do Investimento 2015-2018 e Panoramas Setoriais”, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), deverão ser investidos em
infraestrutura no País R$ 575 bilhões, valor 4,3% superior ao registrado em levantamento anterior

do banco, de 2014 a 2017, e 30,8% superior ao do período 2010-2013. Em termos potenciais, porém, as oportunidades vão muito além. Só na área de transporte e logística, segundo levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT), são necessários aportes de R$ 987 bilhões para projetos prioritários, destinados a eliminar os gargalos do setor. São 2.045 obras elencadas como essenciais pela entidade, como modernização e ampliação de rodovias, aeroportos, portos, hidrovias, ferrovias e terminais de cargas e passageiros.

Para aproveitar este momento da melhor maneira, garantir uma alocação eficaz de recursos e minimizar riscos, a gestão adequada dos projetos de capital e de infraestrutura se afirma como uma necessidade para as empresas e os agentes investidores que lideram ou atuam na cadeia desses empreendimentos. Afinal, são obras geralmente de grande porte – como a construção de novas plantas siderúrgicas, complexos de mineração, estradas, ferrovias, portos, aeroportos, energia, entre outras tantas –, que requerem altos investimentos e colocam os seus participantes sob riscos substanciais de comprometer custos, prazos e qualidade. Elas demandam, assim, o acompanhamento especializado mesmo antes

de seu início, durante toda a sua execução e após sua concretização, a fim de otimizar processos e evitar atrasos no cronograma e aumento de despesas, resultando em projetos mais rentáveis e eficazes.
“Projetos de capital são invariavelmente complexos, pois demandam grande quantidade de recursos
e tempo, e devem ser geridos com o máximo de eficiência”, assinala Marcos Ganut, sócio da área
de Financial Advisory da Deloitte e líder da frente de Infrastructure & Capital Projects – uma frente
de soluções integradas para apoiar empresas e investidores em projetos de infraestrutura e
decorrentes de movimentos de expansão de negócios, que levam à construção de novas plantas
ou ampliação de unidades existentes. “Esse ciclo envolve desde a captação de recursos para o
projeto e a avaliação de sua viabilidade e dos riscos potenciais, até o acompanhamento do portfólio
de obras, a realização de auditorias e a análise de custo, cronograma e qualidade”, relata Ganut, ao
retratar a amplitude desse tipo de abordagem.
Investir é preciso
“O Brasil é o único país com maior procura do que oferta de infraestrutura”, diz Raphael Juan, gestor
da BBT Asset. “Na hora de decidir onde investir, o investidor internacional vai pensar: ‘Na China ou na
Europa, onde já fizeram tudo, ou no Brasil, onde falta tudo?”, resume o gestor de investimentos.
Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), os investimentos em infraestrutura no Brasil ficam
abaixo dos realizados por muitos países. Conforme levantamento da Deloitte a partir de informações
públicas, o total destinado pelo País aos segmentos de água e saneamento, transportes, eletricidade e
telecomunicações recuou de 5,42% em 1970 para 2,1% em 2014. “É pouco. Na Índia, essa relação
é de 5,6%; na China, de 7,3%; e no Chile, de 6,2%”, diz Wagner Cardoso, gerente-executivo de
Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e secretário-executivo do Conselho Temático de Infraestrutura da CNI (Coinfra). Segundo ele, seriam necessários aportes anuais correspondentes a 5% do PIB brasileiro, ou cerca de R$ 240 bilhões por ano, pelos próximos dez anos, para cobrir o déficit brasileiro nessa área. “Essa é a hipótese do mercado e é perfeitamente factível”, diz Cardoso.

Economias maduras, onde praticamente tudo já está feito, são as que costumam apresentar taxas menores de investimento em infraestrutura. No entanto, os Estados Unidos, por exemplo, estão muito à frente do Brasil, com 8% do PIB aplicados por ano nessas áreas de infraestrutura. “A densidade de oferta de transporte no Brasil é muito baixa em relação à de outros países. Dos BRICs (grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o que apresenta menor oferta de ferrovias. Em rodovias, a oferta, em quantidade e qualidade, é muito pior”, compara Paulo Fernando Fleury, CEO do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) e professor titular do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do
Mercado de Capitais (Apimec), está mais do que claro o caráter urgente de tais investimentos.
Eles são necessários até mesmo para que o País possa entrar em um novo ciclo de crescimento de
forma mais ajustada e sustentável. “É necessário que sejam feitos o mais rapidamente possível. A
urgência maior está em áreas mais sensíveis, como energia elétrica, saneamento e infraestrutura de
transporte, para facilitar as operações já existentes e o escoamento da produção agrícola, e tornar
mais fácil a vida da indústria. Há tanta coisa a fazer, o leque é imenso”, diz Alexandre. Isso acontece,observa, porque o setor público não vem gerando os recursos necessários, e a iniciativa privada não tem tido estímulos para investir em projetos nessas áreas. “O Brasil tem uma carência imensa desses
investimentos e o governo não tem fôlego para fazer tudo sozinho”, afirma Marcos Ganut, da Deloitte.
Ele acredita que a infraestrutura, mais do que qualquer outro setor, é “o negócio do Brasil”, pois representa um dos maiores gargalos para a produtividade e eficiência da economia brasileira. “A infraestrutura ainda é a maior carência do País e pode representar muitas oportunidades de negócios”, afirma.
O PAC e a iniciativa privada
Neste início de ano, o governo tem dado boas notícias no campo da infraestrutura, apesar dos desafios econômicos já conhecidos para o País em 2015. Em seu discurso de posse, a presidente reeleita Dilma Rousseff apontou a infraestrutura como destaque em seu novo governo, mencionando uma terceira edição do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Terão prioridade, segundo ela, os setores de logística, energia e infraestrutura urbana.
A presidente também declarou que seu governo lançará uma segunda versão do Programa de Investimento em Logística (PIL), para investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos por meio de associação com a iniciativa privada. Em dezembro de 2014, em mensagem para o lançamento do estudo do BNDES, a presidente já havia afirmado que conta com o mercado de capitais para que o Brasil possa entrar em um novo ciclo de desenvolvimento, com ênfase principalmente nos projetos de infraestrutura, como rota para o crescimento da economia. Em sua nona versão anual, o estudo do BNDES mostra perspectivas de investimento para toda a economia brasileira, em um total de R$ 4,1 trilhões, abrangendo projetos identificados pela equipe de especialistas setoriais do banco, levantamentos do investimento em residências e estimativas para os demais setores.
No setor de infraestrutura, o mapeamento aponta investimentos de R$ 177 bilhões em logística de
cargas (portos, ferrovias, rodovias e aeroportos), entre 2015 e 2018. Os analistas observam que,

como o setor público não dispõe de recursos para atender às enormes carências de infraestrutura no

País, o governo reconheceu que é preciso recorrer a investimentos privados, como acontece na maioria
dos países. Se isso não tem ocorrido de forma mais intensa nos últimos anos é porque ainda persistem
obstáculos à participação da iniciativa privada. Os principais empecilhos apontados são a falta de
confiança na manutenção de regras que regem contratos e concessões e regulam as diferentes
áreas de infraestrutura e a demasiada interferência governamental, ao fixar, por exemplo, baixas taxas
de retorno para os empreendimentos.
Para Bruno Batista, diretor executivo da CNT, há um descompasso muito grande entre a real necessidade
do Brasil em infraestrutura de transporte e logística e aquilo que o governo consegue concretizar. “O

governo não consegue nem realizar a totalidade da fatia do orçamento federal autorizada para o setor

de transportes, de cerca de R$ 20 bilhões em 2014. Isso gera um passivo anual porque as soluções
não acontecem no ritmo necessário. Os projetos não estão saindo do papel na velocidade que o
País precisa”, diz Batista. A seu ver, a modificação desse cenário passará por sinais do governo para
estimular a iniciativa privada. “Essa demanda por investimentos já vem sendo indicada há bastante
tempo. A CNT tem mostrado isso sistematicamente.
A situação se torna cada vez mais grave porque o montante cresce a cada ano”, comenta Batista.
Bons projetos existem, observa o diretor da CNT, com potencial para atrair investidores, como mostra o levantamento da entidade. “Os 2.045 projetos identificados pela CNT dificilmente poderão ser feitos só pelo governo. Para quebrar esse ciclo de investimento reduzido, só com a participação da iniciativa privada. Mas é preciso esclarecer todas as regras do marco regulatório”, afirma Batista. “Os investimentos privados poderão trazer a eficiência e o dinamismo de que o setor logístico precisa”, destaca Iara Pasian, sócia da Deloitte que lidera o atendimento à indústria de Infraestrutura. “Entretanto, para atrair esses recursos, o governo deve garantir a confiança dos investidores, estabelecendo regras claras para os contratos”, pontua.
Avanços notáveis
Os projetos propostos pela quinta edição do Plano CNT de Transporte e Logística, lançado em agosto
do ano passado, compreendem as áreas rodoviária (R$ 361,68 bilhões de investimentos necessários),
ferroviária (R$ 448,9 bilhões), portuária (R$ 61,02 bilhões), de navegação interior (R$ 61,03 bilhões),
aeroportuária (R$ 24,9 bilhões) e de terminais (R$ 29,71 bilhões). As áreas de rodovias e ferrovias
incluem projetos de mobilidade urbana, como BRTs, VLTs, metrôs e trens de passageiros, em um total de R$ 239,75 bilhões.
Segundo o estudo, os custos de transporte no Brasil, em 2008, corresponderam a 59,8% dos custos logísticos totais e a 11,6% do PIB nacional, enquanto, nos Estados Unidos, no mesmo período, esses custos corresponderam a 8,7% do PIB americano. O trabalho da CNT também menciona as baixas posições do País no levantamento “The Global Competitiveness Report 2014-2015”, do Fórum Econômico Mundial. No pilar infraestrutura, o Brasil ficou na posição 76, na comparação com 144 países. Os piores resultados foram da qualidade das estradas brasileiras, em 122º lugar, dos portos, também em 122º lugar, das ferrovias, em 95º, e do transporte aéreo, em 113º lugar. “A oferta inadequada de infraestrutura, no Brasil, é identificada atualmente como o fator mais problemático para a realização de negócios, inibindo a competitividade global do País, à frente de fatores como a questão tarifária, a
ineficiência burocrática e as leis trabalhistas”, explica o estudo da CNT.
Há, no entanto, quem avalie que a situação está, aos poucos, avançando. Wagner Cardoso, da CNI,
argumenta que, embora falte muito a ser feito no Brasil, os investimentos estão acontecendo.

“O déficit é muito grande, mas, nos últimos anos, as coisas têm acontecido, como no setor de logística, uma área muito problemática, que tira a competitividade do País. Houve um grande aumento de recursos para essa área com o PAC, de 2007”, diz Cardoso. Segundo ele, a média de investimentos nesse setor subiu de R$ 5 bilhões por ano, nos seis anos anteriores ao programa, para R$ 11 bilhões anuais, no período de seis anos posteriores ao seu lançamento. “É insuficiente, mas melhorou”, afirma.

Com os projetos do PIL, que o Governo Federal quer ampliar, em uma segunda edição, também
houve avanços, aponta Cardoso. “Em 2013 e 2014, houve mais privatizações de rodovias do que o total histórico do País. Foram 4.872 quilômetros, mais do que a metade do total de 9.646 quilômetros concedidos desde os anos 1990, quando o processo começou”, diz o gerente-executivo da CNI. Houve evolução ainda na privatização de aeroportos. Em 2013 e 2014, foram concedidos à iniciativa privada cinco grandes aeroportos – Guarulhos e Viracopos (SP), Galeão (RJ), Brasília (DF) e Confins (BH) e um pequeno no Rio Grande do Norte. “A gente quer que isso continue, porque a demanda tem crescido muito”, afirma Cardoso.
Nos últimos dez anos, até 2013, a demanda média de passageiros no transporte
aéreo aumentou 11% por ano. Na área portuária, também houve crescimento considerável. A movimentação de contêineres cresceu 8% em média, no mesmo período. Porém, em outro segmento sensível, o de saneamento, a situação não avançou e, como aponta o estudo do BNDES, as perspectivas não são muito positivas. Segundo Cardoso, para reverter o déficit de esgoto tratado nas cidades brasileiras, de 62%, são necessários investimentos de R$ 275 bilhões por ano, pelos próximos 20 anos. “São despejados todos os anos 5,8 bilhões de metros cúbicos de esgoto diretamente na natureza, poluindo o ambiente e trazendo doenças”, diz o diretor da CNI. Nesse caso, a questão é mais complicada porque investimentos e projetos envolvem as três esferas de governo. “O problema principal é a falta de competência.
São projetos mal feitos, além de não atraírem a atenção de governantes, de modo geral, porque
ficam debaixo do chão. Não são obras fáceis de mostrar”, explica Cardoso. Nessa área também, como mostra a experiência internacional, os projetos podem ser executados e operados pela iniciativa privada. “Temos de construir um ambiente propício para atrair investidores, brasileiros e internacionais, para atender à demanda de infraestrutura em todas as frentes”, comenta Cardoso, da CNI.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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