NUMA MANHÃ GELADA DE março de 1999, Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do grupo que é o maior produtor de aços longos na América Latina, vestiu um temo azul-marinho e se dirigiu para Wall Street, o centro financeiro mundial. Às 9 e meia, Gerdau tocou o tradicional sino que abre o pregão da Bolsa de Valores de Nova York. Simbolicamente, ele assinalava a inclusão dos títulos do grupo gaúcho Gerdau, dono de um faturamento de 4 bilhões de dólares, na maior bolsa de valores do mundo. Os últimos meses foram excepcionais para os negócios de Jorge Gerdau. Suas ações cotadas nos Estados Unidos valorizaram mais de 250%.
Isso, apesar da falta de charme de setores como o siderúrgico. Em 1999, o grupo cresceu e lucrou como nunca em sua história (veja quadro). O Gerdau aumentou sua participação na Açominas e comprou a siderúrgica americana Ameristeel. Em apenas um ano, subiu 20 posições na lista do Instituto Internacional de Ferro e Aço e passou a ser o 26º maior grupo no mundo da siderurgia. São conquistas importantes. Mas o fato é que hoje elas representam apenas o ponto de partida para a sobrevivência do negócio. Aos 64 anos, Jorge Gerdau chegou a uma espécie de encruzilhada. Seu grupo, com sede em Porto Alegre e controlado há décadas pela família, atua num setor que caminha a passos largos para uma concentração, a exemplo do que já ocorre com as áreas de telecomunicações e petroquímica.
As cinco maiores fabricantes são responsáveis por mais da metade do aço produzido no mundo. Em 1998, a sul-coreana Posco, maior siderúrgica do mundo, apresentava um volume de produção cinco vezes maior que o do Gerdau. O grupo não tem alternativa senão crescer – rapidamente. A primeira questão é como. A segunda é até quando seus acionistas terão fôlego para manter sua expansão. “Eu levo essa pergunta comigo, e não existe uma resposta absoluta”, diz Jorge Gerdau. A estratégia de crescimento mais visível do grupo até agora é a internacionalização. Desde 1983, ano em que assumiu a presidência no lugar de seu pai, Curt Johannpeter, Jorge Gerdau vem tentando acelerar esse processo. Sob sua gestão, o grupo, que já operava no Uruguai, passou a produzir também na Argentina, no Chile, no Canadá e nos Estados Unidos. As feições multinacionais do Gerdau são resultado de uma sufocante pressão no mercado brasileiro. Com nove usinas no país, o grupo tem cerca de metade do mercado nacional de aços longos. O domínio quase absoluto sobre esse setor praticamente anulou a possibilidade de novas aquisições no Brasil.
“Resta ao Gerdau crescer no exterior e passar a produzir outros tipos de produto no país”. diz Alexandre Torrano, analista do banco Sudameris . A maior investida do Gerdau aconteceu no ano passado, quando seus acionistas tentaram comprar os 18% de participação que o grupo Vicunha, representado pelo empresano Benjamin Steinbruch, mantém na CSN. Jorge Gerdau teria desistido -temporariamente -da compra ao desconfiar que Steinbruch não estava seguro de querer vender ou não seu quinhão. Conforme a negociação se arrastava, o valor da participação subia, e o negócio deixou de ser atraente aos olhos de Gerdau, não fazemos investimentos caros nem errados”, diz ele. “Temos um compromisso com nossos acionistas.”
Diante do fracasso nas negociações, grupo partiu para tornar-se o maior acionista da Açominas, localizada em Ouro Branco, Minas Gerais. O passo seguinte, dado há quatro meses, foi a compra da Ameristeel por 262 milhões de dólares. Com quatro usinas e 18 unidades de transformação fincadas no maior mercado consumidor do mundo, a Ameristeel abriu novas possibilidades para o grupo gaúcho. A começar pelo acesso mais fácil a capital barato. “O Gerdau pode captar recursos lá fora a um custo pequeno, o que lhe permite competir em condições de igualdade com os grandes campos internacionais”, diz Reginaldo Alexandre, analista do banco BBA-Icatu, do Rio de Janeiro. Essa possibilidade pode ser a diferença entre viver e morrer. Só se mantém vivo na competição quem pode aportar recursos nas mesmas condições dos oponentes. Com a porta aberta pela Ameristeel, criou-se a expectativa de mais aquisições no exterior. “Não descarto novas compras no mercado americano ou mesmo na Europa”, diz Torrano, do Sudameris.
Gerdau e seus irmãos – Germano, Klaus e Frederico – ainda sonham em expandir seus domínios no Brasil com a compra de parte da CSN, embora disputem a empresa com interessados do peso de Antônio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim. Têm planos também de reativar o projeto de uma laminadora que estava previsto para começar a operar este ano no Rio Grande do Sul e que foi suspenso depois que a Ford desistiu de instalar sua nova fábrica no estado. O grupo é também o maior reciclador de sucata da América Latina. Isso significa ter o controle sobre sua principal matéria prima. Hoje, 40% do aço no mundo é produzido com sucata. Não é à toa que o Gerdau está atuando tão ativamente para acelerar o acordo do governo com as montadoras para renovação da frota de veículos. “Estamos prontos para nos encaixar nessa cadeia”, diz ele. “Temos interesse em participar desse programa porque aumenta a geração de sucata. É um fator decisivo na nossa competitividade.”
Sob o comando de Jorge Gerdau, um advogado aficionado por cavalos e hipismo, o grupo jamais apresentou prejuízos. Terceiro de quatro filhos, Jorge foi escolhido para liderar o grupo graças à sua maior capacidade de liderar pelo consenso. “Nossas decisões sempre buscam um equilíbrio entre rentabilidade e crescimento”, diz ele. “Se você crescer sem rentabilidade, dá o último passo.” Resta saber se o grupo Gerdau conseguirá manter esse equilíbrio em tempos em que a velocidade de crescimento é um fator decisivo para a sobrevivência. (Suzana Naiditch)