As fortes oscilações dos papéis da OGX este ano e o anúncio da oferta de fechamento de capital da LLX, companhias de petróleo e logística de Eike Batista, trouxeram de volta ao mercado o debate sobre a negociação de ações de empresas que chegaram à bolsa como pré-operacionais ou sem histórico de resultados. São companhias que se apresentam ao mercado como projetos a serem implementados e os investidores analisam se querem ou não financiá-los, tornando-se sócios com a compra de papéis nas colocações iniciais.
A primeira operação que chegou a bolsa nesses moldes foi a da BrasilAgro, em 2006. Entre as empresas que tinham essas características quando realizaram ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) estão a empresa de turismo InvestTur (que depois virou Brazil Hospitality Group ); a petroleira HRT e as companhias do grupo EBX – LLX (resultado de uma cisão da MMX), OSX, MPX e OGX -, de Eike Batista.
O mercado de capitais local viabilizou ainda a estreia de companhias que não existiam formalmente antes da chegada ao pregão, mas foram criadas a partir da reunião de empresas que já operavam nos seus respectivos setores de atuação, como, por exemplo, a holding de corretoras de seguros Brasil Insurance e a empresa Brasil Brokers, que reúne várias corretoras de imóveis.
Vale lembrar que várias companhias tornaram-se operacionais após chegarem à bolsa. Nas ofertas iniciais de ações de empresa sem resultados consolidados anteriores à estreia, a possibilidade de investimento por parte das pessoas físicas foi limitada de alguma forma na oferta e na negociação posterior por valores unitários ou lotes mínimos mais altos. Porém, após algum tempo de negociação, as empresas podem fazer desdobramento das ações. Com isso, elas passam a ser acessíveis aos aplicadores de menor porte.
A questão do acesso a empresas pré-operacionais ou com pouco histórico operacional passou a ser mais discutida, porém, depois que a OGX, que atua no setor de óleo e gás, foi alvo de uma correção forte de preços na bolsa, no fim de junho. Os papéis caíram mais de 40% após a companhia informar uma revisão para baixo do nível de produção no campo Tubarão Azul. Em agosto, os papéis se recuperam e sobem 10,6%, porém no acumulado de 2012 ainda há perdas de 54%. Nos últimos 12 meses, a OGX movimentou R$ 70 bilhões no pregão, segundo dados da BM&FBovespa.
Tudo isso só contribuiu para aumentar a participação da OGX no principal índice da bolsa, no qual figura entre os maiores pesos, ao lado de empresas do porte de Vale, Itaú Unibanco e Petrobras. Pela segunda prévia da carteira teórica do Ibovespa, que passa a vigorar em setembro, o peso da OGX deve mais do que dobrar, para 5,2%.
Na visão de um interlocutor de um banco de investimento estrangeiro isso causa distorções no mercado: “Se você tiver um fundo com benchmark Ibovespa, acaba sendo obrigado a comprar a OGX [mesmo não acreditando nos fundamentos da empresa].” As outras empresas pré-operacionais, porém, não atingiram o mesmo nível de liquidez da companhia de óleo e gás de Eike.
Ofertas de ações nas quais um empresário capta recursos no mercado para tocar um projeto do zero ainda são incomuns no Brasil. Nesses casos, o sucesso do lançamento depende muito da capacidade do empresário de convencer os aplicadores sobre a viabilidade da ideia. E, segundo especialistas, esses papéis normalmente têm riscos mais altos por causa da complexidade maior de análise por parte dos investidores. “A cotação [das ações] é mais volátil, diferentemente de empresas que têm estrutura, história”, afirma Luiz Francisco Caetano, analista da corretora Planner Prosper. “Exige mais cautela do investidor”, completa ele.
Assim como as demais companhias abertas, as pré-operacionais devem seguir a Instrução nº 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo a autarquia, quando a oferta ocorre por um emissor desse tipo, o registro deve ser acompanhado de um estudo de viabilidade econômico-financeira. “É importante esclarecer que o registro concedido pela CVM não implica, por parte desta, julgamento sobre a qualidade do empreendimento, da empresa emissora ou da rentabilidade e risco do investimento, ou garantia de veracidade das informações prestadas”, diz a autarquia, em nota ao Valor.
Não há restrições regulatórias a esse tipo de operação, porém, a prática do mercado é vender no IPO ações de companhias pré-operacionais em lotes de valor financeiro mais elevado, de forma a evitar a aquisição por parte de pequenos investidores, pois se pressupõe que estes tenham menos condições de analisar a viabilidade do negócio de uma empresa ainda sem resultados para mostrar.
Trata-se de uma prática iniciada em 2006, quando houve o primeiro IPO de uma empresa pré-operacional no Brasil, o da BrasilAgro, explica Carlos Rebello, diretor de regulação da BM&FBovespa. Nesses casos, são negociados apenas lotes superiores a R$ 100 mil durante 18 meses. A lógica é que, após um período sendo negociada no pregão, a companhia já teria divulgado uma quantidade razoável de informações financeiras que puderam ser analisados por vários especialistas.
“Quando a BrasilAgro foi à bolsa, surgiu a ideia de tentar proteger o investidor menor. O mercado rapidamente absorveu essa prática”, declara Rebello, que vê com bons olhos esse tipo de operação. “É uma alternativa ao private equity, uma opção para as empresas se capitalizarem.”
Porém, alguns analistas que não quiseram se identificar afirmam que os fundos de private equity seriam uma alternativa melhor para empresas ainda sem resultados, e que “empresas-projeto” não devem ter muita relevância no Ibovespa. “Empresas com esse perfil têm muito menos liquidez no mercado americano, não fazendo parte dos principais índices”, afirma um deles.
“O investidor brasileiro ainda não está acostumado a comprar ações dessas empresas”, afirma Bruno Cals, professor de Finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP).
Por outro lado, o investidor estrangeiro foi o que mais deu atenção a elas, enxergando os papéis da OGX, por exemplo, como uma oportunidade de entrar no mercado privado de petróleo brasileiro, afirmou uma fonte de uma consultoria internacional especializada em energia e metais. E, com a saída dos estrangeiros da bolsa brasileira para cobrir posições no exterior em momentos de maior tensão nos mercados internacionais, essas ações acabam sofrendo mais.
Matheus Rossi, diretor do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), defende a listagem de companhias pré-operacionais. “A bolsa é um canal de capitalização, é sempre uma alternativa de captação para as empresas do mercado”, afirma. “Não dá para dizer que todo projeto possa começar na bolsa. Tendo elementos, não vejo problema”, diz ele.
Para Reginaldo Alexandre, presidente da seção São Paulo da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), é preciso ter cuidado na hora de analisar empresas-projeto. “É necessário verificar o cronograma de execução com apuro, os riscos associados à execução, mas na essência a mecânica de um modelo de projeção não é diferente”, afirma Alexandre. “Os riscos são normalmente maiores. E é aí que o analista deve ter o trabalho para dimensioná-los”, diz.
Com a crise financeira internacional persistente, os mercados estão, na opinião de muitos de seus observadores, dominados por investidores de curtíssimo prazo. Nesse cenário, cada vez mais a pressão por resultados, trimestre a trimestre, aumenta. A questão que se coloca é: como uma empresa que ainda está em fase não operacional ou num estágio muito inicial de seu desenvolvimento consegue lidar com esse ambiente? Por enquanto, ainda não existem respostas claras. Há quem diga que a proposta de fechamento de capital da LLX seria uma pista. (Por Luciana Bruno)