Reforma sem garantia

Data Original: 15/07/2010
Postado em: 16 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Reportagens - Valor Econômico

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Apesar de a BM&FBovespa ter cedido à pressão das empresas e flexibilizado a reforma do Novo Mercado após um ano e oito meses de negociação, a aprovação do principal item da mudança ainda não é garantida. A bolsa quer acabar com as “pílulas de veneno” para as próximas empresas que entrarem no segmento, e ao mesmo tempo resolver deficiências da Lei das Sociedades por Ações, inserindo a obrigação de oferta pública quando um investidor de uma companhia sem controlador definido alcançar 30% de participação.

Maria Helena Santana, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e uma das principais incentivadoras dessa proposta, ainda teme que as companhias não aceitem a sugestão. Ela não está totalmente otimista com o resultado da votação, mas defendeu a necessidade da aprovação dessa proposta como importante para o avanço do mercado brasileiro.

O texto que ficará em votação até 6 de agosto já é uma adaptação da ideia original, justamente por conta da polêmica com as empresas. No projeto inicial, a bolsa pedia a adoção dessa regra dos 30% para todas as companhias de capital difuso ou pulverizado. Na versão final, as que já possuem uma pílula de veneno em seu estatuto não precisarão adotar a regra nova.

“Foi uma proposta bastante realista”, disse Maria Helena. Ela não vê problemas na flexibilização concedida às empresas já listadas. O Novo Mercado tem atualmente 106 companhias. Cerca de metade delas possuem algum tipo de pílula de veneno.

Entre essas pílulas, a maioria é mais restritiva que a regra do Novo Mercado e dificulta aquisição de blocos superiores a um intervalo entre 15% e 20% do capital. Ao atingir tais percentuais, o comprador teria que lançar uma oferta pública a todos os acionistas com um prêmio elevado sobre mercado e já estabelecido. Na sugestão da BM&FBovespa para a oferta dos 30% não há prêmio estipulado para o preço que deve ser lançada a todos os acionistas. Além disso, os acionistas podem, em assembleia geral, decidir dispensar a realização dessa oferta.

Mas se as atuais empresas do mercado estão dispensadas de seguir a regra por que a resistência? A questão é que as companhias temem serem, aos poucos, pressionadas por seus investidores a migrarem para o modelo novo. Nesse cenário, a preocupação vem do fato de a bolsa não ter estipulado um prêmio para a oferta pública, diferentemente das pílulas. As companhias se sentem mais vulneráveis a ofertas do que com suas pílulas turbinadas atuais.

Walter Mendes, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), concorda que os investidores tendem a pressionar as empresas a adotar as melhores práticas. “A tendência é que as pílulas de veneno se tornem mais raras com o tempo por conta da pressão pela uniformização”, afirmou.

Para ele, a obrigatoriedade da oferta pública no caso de compra de 30% do capital foi sempre um tema polêmico por envolver redução do prêmio de controle. Como o comprador do bloco de 30% sabe que tem de fazer uma oferta pelas demais ações da empresa, ele tende a oferecer um preço menor ao vendedor dessa fatia significativa.

“É um problema real do mercado brasileiro. Não é teórico”, disse Maria Helena, ao defender a nova regulamentação proposta. Ela está se referindo ao fato de a legislação brasileira não garantir prêmio de controle em caso de aquisição de controle, mas apenas de venda. Por conta da redação da lei, minoritários de companhias sem controlador definido ficariam sem direito a uma oferta num cenário de formação de controle. “Os minoritários ficarão a mercê das pílulas com todos os seus problemas potenciais de redação.”

Cristiana Pereira, diretora de relações com empresas da BM&FBovespa, destaca que houve um esforço da bolsa para harmonizar as preocupações dos envolvidos.

Para Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Profissionais de Investimento no Mercado de Capitais (Apimec), regional São Paulo, a reforma é um avanço. Contudo, ele lembra que, considerando a proposta original, poderia ser melhor. Outro ponto que preocupa o especialista são as incorporações. A regra sugerida pela bolsa não obriga oferta quando os 30% são alcançados por conta de incorporação entre empresas. Recentemente, algumas companhias passaram por mudança de controle após processos de reestruturações societárias. Foi assim que a Tenda foi adquirida pela Gafisa e que a Satipel foi comprada pela Duratex, entre outras.

Para a BM&FBovespa, um instrumento importante no processo de votação da reforma do Novo Mercado será a transparência que as manifestações das companhias terão. Os votos serão abertos ao público, bem como os argumentos dados pelas empresas. A Amec acredita que ainda há certas dúvidas sobre o processo. Para Mendes, não ficou muito claro qual será o custo para as companhias que eventualmente não cumprirem o aprovado.

Na opinião de Thiago de Oliveira, diretor de relações com investidores da Lupatech, a forma como a bolsa fez com a proposta da oferta dos 30% deve facilitar a aprovação. A companhia tem a pílula, com percentual limite de 20%. Ele não se opõe à mudança para as novatas. “A bolsa está tentando evoluir. Não é porque já é bom que não dá para melhorar.”

Outro ponto que está gerando certa resistência na reforma é a obrigatoriedade de criação de um comitê de auditoria por todas as empresas do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de governança. O questionamento sobre esse item vem, principalmente, das empresas de pequeno porte, que temem um custo adicional.

Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), entende que, após a votação das empresas, poderá haver ajustes na proposta de reforma, mas que não devem ser significativos. “O processo foi precedido de muito diálogo com as companhias, para acomodar todas as situações”, disse.

Mas Castro reconhece que há uma certa preocupação em torno do comitê de auditoria. “Empresas pequenas que já têm conselho fiscal talvez não vejam necessidade de criar o comitê.” Castro destacou a situação das que possuem fundos de pensão no capital. Geralmente, os fundos preferem o conselho fiscal, pois têm representantes independentes da gestão da empresa.

Castro e representantes de várias entidades de mercado participaram ontem do 12º Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais, em São Paulo.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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