Com a necessidade de maior diversificação dos recursos no atual ambiente de juros baixos, os investidores podem agora buscar opções nas ofertas de ações. Já há no mercado um volume de lançamentos de papéis, realizados ou em andamento, de mais de R$ 7 bilhões. Até agora, duas companhias já fizeram ofertas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) e pelo menos outras seis iniciaram preparativos para estrear no pregão ou manifestaram o desejo para 2013. Entre as já listadas na bolsa, quatro confirmaram que pretendem buscar recursos com a emissão de ações, até o momento (ver tabela nesta página).
Após um 2012 fraco em termos de lançamentos e ofertas subsequentes de ações na bolsa, este começo de ano dá mostras de que há espaço para uma retomada mais consistente destas operações. Com as principais estrelas do Índice Bovespa (Ibovespa), como Petrobras e Vale, atravessando uma fase difícil e turbulenta e várias companhias beneficiadas pelo consumo interno já consideradas ‘caras’, os investidores esperam ansiosos por novidades. Isso não significa, porém, que tenham ficado mais condescendentes, muito pelo contrário. As recomendações mais frequentes dos especialistas consultados pelo Valor ainda são de seletividade e coerência na hora de escolher um papel.
Os dois IPOs já concluídos neste ano, o da Linx e a da Senior Solution, ambas do setor de tecnologia, apresentaram desempenhos bem distintos. A operação da Linx teve grande demanda e o preço fechou no teto da estimativa da companhia, a R$ 27, enquanto a da Senior atraiu menos os investidores e o valor de venda da ação, de R$ 11,50, ficou abaixo do intervalo sugerido pela empresa, que ia de R$ 13,50 a R$ 15,50. Ambas as companhias pretendem usar os recursos captados para crescer.
No dia de estreia na bolsa, a Linx teve alta de 18%, e a Senior caiu 3,7%. Além das particularidades do negócio de cada companhia, o porte das ofertas e a plataforma de negociação dos papéis pesaram sobre as decisões dos investidores. A emissão da Linx ocorreu no Novo Mercado, o mais alto grau de governança corporativa da bolsa, e girou R$ 527,9 milhões, quase oito vezes mais que a da concorrente no setor, que fez a oferta no Bovespa Mais, segmento de acesso para pequenas empresas ao mercado de capitais, com volume de R$ 62,2 milhões. Outra diferença expressiva: 62% dos papéis da Linx ficaram com investidores estrangeiros, em linha com a média das demais ofertas de ações, enquanto a operação da Senior acabou comprada exclusivamente no país (Ver pág. D2).
O principal objetivo das companhias que preparam ofertas de ações na bolsa neste início de ano é obter recursos para investimento na expansão dos negócios. Também há quem pretenda usar o dinheiro para reduzir a dívida, mas é minoria.
A Abril Educação, por exemplo, informou que estuda a possibilidade de lançar ações logo depois de comprar a Ometz, dona da rede ensino de idiomas Wise Up. Os recursos captados com a oferta de units (cesta de ações), que devem somar até R$ 600 milhões, segundo estimativas do mercado, serão destinados principalmente ao pagamento dessa aquisição, realizada por R$ 877 milhões, sendo pouco mais da metade em dinheiro e o restante em ações. A empresa de educação ainda analisa outras compras de escolas de inglês que possam complementar a operação atual de idiomas, afirmou o presidente da companhia, Manoel Amorim, ao comentar, na época, a transação com a Wise Up.
A administradora de shopping centers Multiplan pretende usar o os recursos captados para fortalecer a estrutura de capital e “antecipar o desenvolvimento de novos projetos”, segundo o prospecto da operação. Considerando a quantidade de ações que será ofertada e o valor do papel na bolsa – a companhia já é listada na BM&FBovespa -, a operação somará pouco mais de R$ 700 milhões.
Nos planos da companhia de energia Alupar estão a obtenção de concessões e permissões para exploracao de novos empreendimentos, com 80% dos recursos obtidos na oferta, e a realização de aquisições, com 20% do dinheiro.
“As duas palavras que atraem o investidor e o mercado são investimento e crescimento. Uma empresa até pode buscar recursos para pagar dívida, mas creio que essa não é a estratégia predominante”, afirma Antonio de Castro, presidente da Abrasca, associação que reúne as companhias abertas.
A empresa de fundição Tupy quer tanto reduzir custos e dívida como fazer aquisições, no caso, internacionais. A companhia ainda não divulgou o tamanho da emissão, mas os acionistas já aprovaram em assembleia o aumento do capital autorizado em R$ 600 milhões, que seria o valor máximo potencial da oferta primária (em que há emissão de ações e os recursos vão para o caixa da empresa). Também haverá uma parcela secundária, com venda de papéis pelos controladores. Ao mesmo tempo em que se prepara para ofertar ações, a Tupy muda sua estrutura de governança para migrar para o Novo Mercado e, para isso, já aprovou a conversão das ações preferenciais (sem direito a voto) em ordinárias (votantes). A captação deve ser concluída em abril.
No caso das gestoras de programa de fidelização Smiles e Multiplus e da empresa de seguros e previdência BB Seguridade, os recursos acabarão nas mãos dos controladores. O Smiles fará caixa para comprar passagens-prêmio da controladora Gol, mesma estratégia que será usada pela Multiplus, da TAM, já listada na bolsa. Nos dois casos, o dinheiro chegará em boa hora para as companhias aéreas, que estão alterando a estratégia dos negócios para recuperar a saúde financeira.
Já a operação da BB Seguridade será apenas secundária, por meio da qual o controlador Banco do Brasil venderá parte de sua fatia na empresa e embolsará o dinheiro. Ou seja, nenhum real vai para o caixa da companhia. O incentivo à participação do investidor de varejo é grande. Uma parcela de 20% a 40% das ações ofertadas será direcionada à pessoa física. Esses investidores poderão aderir à operação de duas formas: por meio da reserva direta ou da adesão ao fundo de investimento em ações FIA-BBSeg.
A rede de hotéis BHG, a holding de concessionárias de veículos Autobrasil, a sucroalcooleira Biosev e a companhia de água e esgoto do Rio Cedae pretendem usar os recursos no plano de crescimento. A oferta da Autobrasil, porém, é apenas para investidores qualificados.
Para Bernando Rothe, gerente executivo da diretoria de mercado de capitais e investimentos do Banco do Brasil, o sucesso das ofertas que estão surgindo neste ano dependerá, mais do que nunca, da tese de investimento apresentada. Segundo ele, uma empresa com perspectiva de crescimento sustentável despertará atenção maior. Para o especialista, é fundamental que os objetivos da operação fiquem claros. “Tem que explicar a motivação [do lançamento de ações]. Faz sentido? Vai alavancar os resultados da companhia? No caso de uma oferta secundária [na qual sócios vendem seus papéis e, portanto, o dinheiro não fica no caixa da companhia], é alguém abandonando o negócio ou a conclusão de um projeto de chegar à bolsa?”, diz Rothe. “Tudo que tem lógica para o investidor funciona.”
O que se observa entre os aplicadores é que existe uma clara predileção por empresas, estreantes ou veteranas, com negócios ligados ao mercado interno. “O investidor está bem seletivo, mas há espaço para boas companhias. A demanda é por diversificação em negócios que se beneficiem da ascensão de classes sociais no Brasil, é isso que o investidor está procurando”, diz Roberto Reis, responsável pela área de renda variável do Santander. Para ele, uma nova safra de ofertas bem-sucedida dependerá da chegada de empresas com um bom fluxo de caixa, de setores competitivos e que se beneficiem da melhora de renda no país. “Já nos casos em que a companhia tem histórico recente de operação e projeta um crescimento muito elevado, a tendência é encontrar dificuldades para vir a mercado.”
Mas apesar da demanda por ativos novos, as companhias que pretendem se lançar na bolsa precisam estar preparadas para uma eventual concorrência com nomes já “consagrados”. Algumas empresas, mesmo com valorizações já bastante expressivas, seguem na mira dos investidores. “Setores, como bebidas, alimentos e concessões rodoviárias, que possuem um fluxo de caixa mais previsível, têm atraído recursos mesmo com as ações próximas dos topos históricos”, afirma Reis, do Santander.
Reginaldo Alexandre, presidente nacional da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), avalia que existe um “congestionamento” nas apostas, o que gera expectativa quanto a empresas novas, embora dentro de um mesmo círculo de preferências. Ele critica, no entanto, o foco predominante no curto prazo.
Carolina Lacerda, diretora da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), avalia que a situação econômica na Europa mais estável e a melhora nos Estados Unidos gerou uma confiança maior do lado das companhias para investir, permitindo também um conforto maior dos investidores para aplicar em ações novas. Ela lembra que várias operações ficaram represadas em 2012. Agora, com um otimismo maior tanto por parte dos bancos quanto dos aplicadores, muitos lançamentos de ações podem sair do papel. “Operações grandes, saindo primeiro, viabilizam as menores”, diz.