A Telefônica decidiu usar o mercado de capitais para barrar os planos da francesa Vivendi de fincar os pés no Brasil por meio da compra da GVT. A companhia de origem espanhola aproveitou o fato de a GVT ter o controle pulverizado na bolsa e lançou uma oferta pública para a compra das ações da empresa.
Na proposta anunciada ontem, a Telefônica se dispõe a pagar R$ 48 por papel da empresa de telefonia GVT. O investimento total previsto é de R$ 6,5 bilhões, caso haja adesão de todos os acionistas. Trata-se, portanto, de uma oferta 14,3% superior à anunciada pela Vivendi em setembro, de R$ 42.
O movimento da Telefônica pode ser considerado uma oferta hostil, já que não houve negociação com a administração da empresa. A GVT informou que não foi previamente procurada pelo grupo espanhol. A empresa soube da proposta por meio do fato relevante, junto com o mercado. Como a companhia não tem controlador definido abre essa possibilidade aos interessados – de simplesmente anunciar a intenção de compra. A última tentativa de aquisição nesse molde ocorrida no país foi a frustrada investida da Sadia sobre a Perdigão, em 2006.
O conselho de administração da GVT está analisando a nova proposta e se manifestará “no momento oportuno”.
A estratégia da Telefônica foi bem diferente da adotada pela Vivendi. O grupo francês conversou primeiramente com os executivos e principais acionistas da GVT e só depois é que a intenção de compra foi comunicada ao mercado.
Com a entrada da Telefônica na disputa, as ações da GVT apresentaram forte valorização na bolsa. Subiram 13,7% ontem e fecharam o dia a R$ 46,52, com um giro de R$ 741 milhões, o segundo maior do mercado, na frente de Petrobras e Vale, por exemplo. O volume só foi menor que o do estreante Santander (R$ 1,9 bilhão).
A própria reação do mercado à proposta da Telefônica jogou um balde de água fria nos planos da Vivendi. O preço atual em bolsa supera a intenção de desembolso do grupo francês (R$ 42). Os analistas não esperam uma contraproposta, pois já avaliam a oferta da empresa espanhola como salgada. Procurada, a Vivendi não se pronunciou.
A Telefônica também se adiantou em relação à Vivendi ao já divulgar o edital da oferta, marcando o leilão de compra das ações para 19 de novembro. O grupo francês, apesar de comunicar primeiro a intenção, ainda não havia formalizado a proposta num edital.
Com isso, para o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Luiz Leonardo Cantidiano, o grupo espanhol pode ter transformado a iniciativa da Vivendi na oferta concorrente, aos olhos da regra – já que não estava formalizada num edital ao mercado. Assim, pelas regras da CVM, caso queira se manter na disputa, a Vivendi precisaria anunciar um preço no mínimo 5% superior ao da Telefônica, ou seja, R$ 50,40.
Reginaldo Alexandre, presidente da Associação de Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-São Paulo), lembra que a disputa por ações do mercado em ofertas concorrentes é prevista em regra desde 2002, quando a CVM editou a instrução 361. No entanto, a possibilidade foi pouco utilizada. O uso deve aumentar daqui para frente, com o maior número de empresas de capital pulverizado no mercado brasileiro, sujeitas a ofertas hostis como a lançada pela Telefônica.
Não há registro de uma briga pelo controle de uma companhia. No passado, minoritários da Rhodia-Ster utilizaram a prerrogativa para evitar o fechamento de capital da empresa pelo controlador. Antes de 2002, segundo Cantidiano, houve disputa entre Cemig e Cataguazes-Leopoldina por uma empresa mineira.
Assim como a da Vivendi, a oferta da Telefônica está sujeita a algumas condições. Uma delas é a adesão de acionistas que detenham pelo menos 51% dos papéis da GVT, ou seja, a Telefônica quer o controle da companhia. Outra é a dispensa da obrigação da pílula de veneno – cláusula de proteção da dispersão acionária – do estatuto social da GVT.
O movimento da Telefônica surpreendeu, mas não causou espanto nos analistas, já que historicamente era considerada a candidata favorita à compra da GVT.
A dúvida que ficou no ar entre os especialistas é porque o grupo espanhol esperou a investida da Vivendi – o que causou a necessidade de um preço maior. Para Alex Pardellas, analista da Banif Corretora, trata-se de uma estratégia defensiva, para evitar a entrada do grupo francês.
“Foi um movimento defensivo. E, como todos desse tipo, mais caro” avaliou Valder Nogueira, analista da Itaú Corretora, que fez suas considerações num relatório intitulado “O império contra-ataca”. Entretanto, avalia que o ativo faz sentido para a Telefônica no Brasil.
Nogueira acredita que a Telefônica pode pagar a investida com uma combinação de dívida e aumento de capital. Dessa forma, preservaria a capacidade de pagar gordos dividendos, como faz atualmente. Os recursos, lembra ele, são importantes para irrigar os ativos do grupo espanhol na América Latina. A companhia distribui praticamente todo o lucro anual aos acionistas – o controlador espanhol fica com 90% desse total.
Gilmar Camurra, vice-presidente de finanças da Telefônica, disse ontem em teleconferência que ainda não está definido o financiamento para o negócio. Contudo, afirmou que não há uma política de dividendos definida, ou seja, a empresa tem condições de adequar a distribuição conforme sua situação financeira. As ações da Telefónica (Telesp) caíram 1% ontem.
Mesmo antes de a Vivendi fazer oferta pela GVT já havia expectativa de um movimento de compra pela Telefônica. A fusão da Oi com a Brasil Telecom (BrT) criou descompasso na atuação do grupo espanhol no mercado brasileiro. Apesar de ser uma área de alto poder aquisitivo, o Estado de São Paulo pode ser considerado um mercado pequeno para os planos expansionistas da Telefônica na América Latina e para a disputa com a mexicana Telmex/América Movil, dona da Embratel e Claro.
Contudo, o presidente da Telefônica, Antonio Carlos Valente, afirmou ao Valor, que o movimento foi independente da fusão entre Oi e BrT. “A GVT é uma empresa de sucesso internacional, bem estruturada e com bom plano de negócios.” Embora não assuma o caráter defensivo da operação, Valente admite que a proposta da empresa francesa acelerou os planos da Telefônica. A companhia enfrentaria, então, a concorrência de dois grupos fortes: Oi e Vivendi.
Ele reagiu à posição de analistas de que já o preço oferecido pela Vivendi era alto demais. “A Telefônica fez as contas e acha que é uma companhia bem estruturada, com boa proporção de usuários de banda larga frente à base de telefonia fixa” , disse Valente.
Com a compra da GVT, a Telefônica elevaria o faturamento líquido do primeiro semestre deste ano de R$ 7,9 bilhões para R$ 8,7 bilhões e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (lajida), de R$ 3,0 bilhões para R$ 3,3 bilhões.
Para um analista que preferiu não se identificar, o movimento da Telefônica também agrega competitividade à Vivo, empresa de telefonia celular da qual o grupo espanhol detêm metade do controle, em conjunto com a Portugal Telecom. O especialista lembrou da recente investida da TIM sobre a Intelig em busca de infraestrutura.
A expectativa da Telefônica é conseguir aprovação da Anatel para o negócio – condição para realização da oferta – em 45 dias. O pedido da Vivendi sobre a compra da GVT chegou à Anatel no dia 1º deste mês. A primeira reunião do conselho depois do pedido é a de amanhã, mas o tema não está na pauta. Por enquanto, ele é analisado pela Superintendência de Serviços Públicos, que é chefiada pelo interino Fernando Antônio França Pádua. E a Anatel ainda não recebeu nenhum pedido da Telefônica. (Colaborou Danilo Fariello, de Brasília)