Tratamento diferenciado de acionistas é prejudicial

Data Original: 02/02/2009
Postado em: 15 de dezembro de 2016 por: Reginaldo Alexandre
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Como desdobramento da crise financeira internacional, verificam-se em diversos países operações de ajuda a setores e empresas mais duramente afetados. No caso brasileiro, já ocorreram medidas de caráter setorial (bancos pequenos e médios, indústria automobilística, entre outros) e agora começam a ocorrer operações específicas de apoio a empresas, em que pode ser enquadrado o apoio do BNDES à operação VCP/Aracruz.

Fortalecer setores, garantir empregos e ajudar empresas relevantes endividadas ou engajadas em programas de reestruturação é defensável. Todavia não pode haver assimetrias em favor dos controladores e muito menos a destruição do árduo trabalho de atração do investidor de varejo para o mercado de capitais. A operação recentemente anunciada de compra de controle da Aracruz pela VCP, seguida pela incorporação das ações da primeira pela segunda, traz de volta à cena uma conhecida esparrela para os acionistas detentores de ações preferenciais da empresa a ser incorporada.

As incorporações de ações definem-se como operações pelas quais uma companhia incorpora as ações da outra, geralmente na sequência de a primeira assumir o comando da segunda. Os papéis preferenciais da companhia cujas ações serão incorporadas são o alvo dileto. Essas operações têm ocorrido em lugar da oferta pública para aquisição de ações, que seria um meio mais apropriado, por dar oportunidade de o acionista aceitar ou não o preço oferecido.

A incorporação de ações deixa o detentor de ações preferenciais encilhado: não lhe resta alternativa (se as ações são negociadas em bolsa com certa liquidez) senão aceitar a relação de troca de ações proposta pelo controlador. A VCP pagará R$ 21,25 por ação ordinária de um lote de 28,03% do capital votante da Aracruz em mãos das famílias que integram o bloco de controle da companhia. A mesma oferta será estendida a outro controlador que detém outros 28,03% do capital votante da Aracruz: Arapar (grupo Safra).

Caso a VCP concretize a compra desses 56,06%, uma oferta pública de aquisição será feita aos minoritários de ações ordinárias da Aracruz, na proporção de 80% do valor pago aos controladores, de acordo com a exigência legal. Esse valor lhes seria pago nas mesmas condições e nos mesmos prazos definidos para os controladores.

Os minoritários detentores de ações ordinárias da Aracruz (incluindo BNDES) terão a alternativa de usar suas ações para integralizar um aumento de capital da VCP, que será feito por um preço de R$ 19,00 por ação. Os acionistas minoritários da Aracruz, detentores de ações ordinárias, terão direito a integralizá-lo com suas ações cotadas a R$ 14,56 – que corresponderia ao valor presente dos 80% do montante pago aos antigos controladores da Aracruz.

E o que restará aos acionistas detentores de ações preferenciais da Aracruz? Uma proposta de incorporação de suas ações à VCP, na proporção de uma ação preferencial da Aracruz por 0,1347 ação preferencial da VCP – o que corresponde a cerca de R$ 2,00, em 23 de janeiro. Haja vista os preços oferecidos na proposta anterior – R$ 21,25 para os controladores e perto de R$ 7,20 para a ação preferencial (em agosto de 2008) -, pode-se concluir que as pesadas perdas da Aracruz com derivativos acabaram caindo totalmente no bolso dos detentores de ações preferenciais.

Por fim, é importante lembrar as orientações do Parecer de Orientação CVM nº 35. A orientação da CVM é de que, embora a relação de troca possa ser negociada livremente, a posição do administrador em operações de incorporação de ações deve ser tomada em benefícios de todos os acionistas e não apenas de seu controlador. Os administradores podem rejeitar a operação caso os termos e condições propostas sejam insatisfatórios. Em fato relevante publicado em 21 de janeiro, a VCP informou que será constituído comitê especial para negociar a operação como procedimento para que a relação de troca seja negociada de maneira independente e garanta, nos termos do Parecer CVM 35, a “concretização dos deveres fiduciários”.

Causa estranheza o fato de a relação de troca mencionada no fato relevante ser considerada “justa” antes da instalação do prometido comitê especial. A queda das ações preferenciais e a elevação das ordinárias, após o fato relevante, indicam que a operação de incorporação não é tomada em benefício de todos os acionistas. Também os relatórios dos analistas especializados no setor apontam para o mesmo diagnóstico. O comitê especial não pode deixar de ouvir os acionistas preferencialistas insatisfeitos com a operação.

Sobre

Economista, com vinte anos de experiência na área de análise de investimentos, como analista, coordenador, organizador e diretor de equipes de análise, tendo ocupado essas posições, sucessivamente, no Citibank, Unibanco, BBA/Paribas, BBA (atual Itaú-BBA) e Itaú Corretora de Valores. Atuou ainda como analista de crédito corporativo (Citibank) e como consultor nas áreas de estratégia (Accenture) e de corporate finance (Deloitte). Hoje, atua na ProxyCon Consultoria Empresarial, empresa que se dedica às atividades de assessoria e prestação de serviços nas áreas de mercado de capitais, finanças e governança corporativa.

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