Com mais setores na bolsa, gestores buscam análises, além dos resultados financeiros, indo a campo e investigando, na prática, informações e serviços prestados pelas companhias
Você já imaginou se passar por um usineiro para investigar se uma empresa do setor está pagando ou não um preço justo por uma nova fábrica? Pois foi o que fez Maurício Felício, que compõe a equipe da gestora de recursos Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG). Munido da experiência acumulada em alguns anos de trabalho no setor de açúcar e álcool e dos muitos contatos que fez na área, ele topou assumir um personagem e, literalmente, foi a campo. Deu certo. O prêmio pela atuação foi confirmar o que os números da companhia já indicavam: os negócios da Cosan, grupo de bioenergia de alcance mundial, estavam sendo feitos a preços bem razoáveis e, provavelmente, gerariam valor à empresa. “É claro que eu nunca vou comprar uma usina. Mas você pode ir até onde dá, dentro de certos limites, é claro, para saber o que está acontecendo no setor”, explica.
Felício faz parte de um grupo específico de gestores que baseiam suas escolhas na busca obcecada pela informação que não é de consenso. Para isso, saem às ruas, colhem opiniões, investigam e testam produtos e serviços por conta própria. O objetivo é enxergar além da frieza dos números e dos relatórios de balanço, em busca de pistas concretas sobre a qualidade e os rumos de determinado negócio – em um horizonte maior, de três a cinco anos. Um exercício que certamente também contribui para entender a fundo a empresa e toda a dinâmica do setor ao qual ela pertence. O trabalho envolve atenção “24 horas”, sete dias por semana e, portanto, muita dedicação.
Ah, sim, claro: é preciso gostar. E os gestores ouvidos pela Valor lnveste simplesmente adoram essa tarefa. “Os números da empresa (M. Dias Branco, fabricante de biscoitos e massas) diziam que ela era líder de mercado em determinado Estado, mas nunca tinha ouvido falar de suas marcas”, conta o sócio-gestor da Fama Investimentos, Rodrigo Sancovsky. O que fazer? Após descartar algumas ideias, a equipe tomou uma decisão, aparentemente, simples. Munido de urna máquina fotográfica, um dos analistas foi enviado para um tour pelo Nordeste com a seguinte missão: fotografar gôndolas de supermercados. O especialista ficava em uma ponta da gôndola e pedia a ajuda de algum incauto local para conseguir enquadrar a longa fileira de produtos da companhia. As imagens eram rapidamente transmitidas para São Paulo, acompanhadas da seguinte frase: “Daqui para lá é só produto da M. Dias Branco”. O esforço foi fundamental para a decisão de comprar uma fatia do capital da empresa, que até hoje ocupa lugar de destaque no portfólio da Fama.
Uma corrente em expansão É cada vez mais extenso o grupo de casas que buscam devotar o máximo de atenção à vida cotidiana como uma das ferramentas importantes antes de tomar decisões no mundo etéreo da bolsa de valores. Na religião do mercado, os “fundamentalistas não ortodoxos” buscam na observação e pesquisa da vida real sinais ou dados importantes para nortear suas decisões de investimentos. Um esforço que os próprios gestores chamam de “trabalho de campo” – o mesmo termo usado em áreas como antropologia ou geografia para qualificar uma atividade prática que tem como principal ferramenta a observação. Para os especialistas, no lugar de aceitar aquele palpite infalível de um colega de trabalho na hora de escolher uma ação, melhor seria o investidor sair da zona de conforto e procurar saber mais sobre a empresa.
E não só avaliando os números da companhia, mas partindo também das informações disponíveis no dia a dia. É claro que se passar por um usineiro experiente ou viajar visitando supermercados do Nordeste não são tarefas para qualquer um. As iniciativas fazem todo sentido no contexto em que foram aplicadas, mas são complexas e exigem tempo, recursos e certa experiência – requisitos normalmente fora do alcance do investidor comum. Existem, no entanto, alternativas mais simples de abordagens. “Um homem nunca vai entender o que é um sapato para uma mulher”, reconhece João Braga, outro dos gestores da equipe da CSHG.
Mas, embora não admita, ele chegou bem perto. Antes de as ações da Arezzo desembarcarem na bolsa, no início de 2011, o gestor recebeu a missão de avaliar a empresa e entender se seria interessante participar da abertura de capital. Desnorteado, optou por unir os números disponíveis e partir para wna “pesquisa de opinião”. Montou um extenso questionário e distribuiu para cerca de 30 mulheres de seu círculo de amizades e colegas de trabalho. As perguntas incluíam desde as marcas preferidas até o número de sapatos que costumavam adquirir por ano, além, obviamente, do que achavam da Arezzo.
No fim, junto com a equipe da CSHG, optou por não entrar na operação, principalmente por conta do preço oferecido (“valuation”). Nem por isso, no entanto, Braga deixou de aproveitar os resultados da pesquisa. Descobriu, por exemplo, que muitas das mulheres que responderam ao questionário compram mais de 60 pares de sapatos por ano – algo que desafia sua compreensão. “Tenho os mesmos três pares há alguns anos”, compara. O gestor diz ainda que a experiência deixou clara a importância dos sapatos no universo feminíno. “A Arezzo é a ‘Souza Cruz’ [fabricante de cigarros] da mulherada”, afirma, entre risos. Outras histórias inusitadas permeiam o mundo dos gestores.
Em 2010, Steven Iveson, sócio da Explora Investimentos, precisou saber mais a respeito da política de financian1ento estudantil adotada por uma companhia aberta da área de educação. Não titubeou: no lugar de recorrer apenas às fontes tradicionais de informação, o engenheiro formado em 2002, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), decidiu prestar o vestibular da empresa. Já Marcos Duarte, sócio da gestora Polo, afirma que sempre faz compras na B2W (o braço de comércio eletrônico resultante da fusão entre Lojas Americanas e Submarino) para checar se as mercadorias estão sendo entregues no prazo. Na Bogari Capital, o sócio Érico Argolo conta que só começou a prestar atenção na varejista de vestuário Le Lis Blanc após a oferta inícial de ações do grupo (IPO, na sigla em inglês), em 2008. “O IPO teve escassa liquidez e pouco olhamos para o papel”, relembra.
“Mas começamos a perceber que muitas mulheres vestiam a marca e a adoravam, o que nos fez ver um modelo de negócios que poderia dar certo.” O executivo afirma que o papel foi comprado pouco depois do IPO, e na venda, em 2011, gerou um lucro de quase três vezes o valor aplicado. Em uma linha ainda mais investigativa, vale até mesmo escarafunchar a vida dos controladores de uma empresa. Na Leblon Equities – gestora carioca criada em 2008 com parte da equipe de outra casa famosa por análíses investigativas, a Investidor Profissional (IP) -, o lema é conhecer a fundo os profissionais que tocam o dia a dia das companhias. Objetivo: entender melhor o que pode sustentar os resultados financeiros no longo prazo. O método aqui é algo semelhante a um interrogatório. “Você não encontra respostas depois de duas ou três reuniões, mas depois de quinze”, diz um dos sócios da Leblon, Pedro Rudge. Questionado se essa tática não pode causar algum mal-estar, Rudge é enfático.
“Às vezes é cansativo mesmo. Na maioria dos casos, perguntamos as mesmas coisas para ver se o discurso continua o mesmo, testando se o profissional coloca em prática aquilo que fala.” Exatamente por isso, diz ele, em muitas situações a alternativa é abordar quem não tem a preocupação de falar sobre as dificuldades enfrentadas pelo setor, como um grupo concorrente de capital fechado. “É uma excelente estratégia para avaliar se a empresa-alvo não está sendo mais ‘soft’ do que deveria.” O que esses gestores fazem muito também é testar um serviço ou um produto, como adquirir uma dúzia de cartões de varejistas para avaliar o potencial de alavancagem dessas empresas.
“Fui acumulando uma pilha de cartões de empresas tipo Renner, Riachuelo e Hypercard, com o objetivo de saber qual o crédito que dariam para um cidadão comum. Descobri que eles não saem dando limites gigantes cos por aí”, diz Braga, da CSHG. Trabalho semelhante fez a equipe da Fama, em outra conjuntura econômica. Uma rede de varejo, cujas ações não integravam a carteira da gestora, dizia que estava se tornando mais restritiva na concessão de crédito. A preocupação da gestora era de que, se a inadimplência do cartão oferecido aos clientes subisse poucos pontos percentuais, mataria todo o valor adicional ao crescimento da base de vendas. Solução: conferir in loco.
“Mandamos três analistas diferentes, em lojas e datas diversas, e em todos os casos foi a mesma história: era só dar nome e RG e já saíam com cartão próprio, não precisava nem mesmo de comprovante de residência”, relata Sancovsky. “Foi melhor ficar fora.” Na busca por um conhecimento que o mercado não tem, vale até – sacrifício supremo – passar a noite assistindo televisão. Não qualquer canal, mas a TV Câmara. Pedro Sales, gestor e analista de telecomunicações da CSHG, conta que, por meio de uma das consultorias que prestam serviços à gestora, soube que uma medida importante que afetaria a tributação do setor de call-center seria votada e, se aceita, teria um impacto bastante positivo sobre as ações da Contax – uma das apostas da equipe. “Passei a noite acompanhando a votação e qual não foi a minha surpresa quando no dia seguinte as ações mal se mexeram! Acho que a TV Câmara não deve ter muita audiência”, brinca Sales, que aumentou a posição no papel.
Quanto mais diversificada, melhor Na análise fundamentalista desses gestores, a planilha divide o protagonismo com a diligência, a observação da empresa no dia a dia. Tudo funciona mais ou menos como um teste de hipóteses em que experiências e observações da economia real se misturam às informações diretas da planilha, sem nunca, em separado, justificarem a compra ou venda de uma ação. Os pais desta escola são figuras bastante conhecidas.
O bilionário americano Warren Buffett e seu guru Benjamim Graham compõem uma espécie de clube de superheróis do investidor comum, ao lado de gente como Peter Lynch, lendário gestor da americana Fidelity na década de 80. Todos são lembrados como ases do trabalho de campo, figuras míticas não só por fazerem escolhas consistentemente acertadas, mas sobretudo por utilizarem métodos simples, ao alcance de qualquer um. No Brasil, essa análise mais “quente”, ligada à observação diária, é bem mais recente. Pelo menos até o fim da década de 90, a instabilidade dos mercados deixava espaço apenas para o que é conhecido como estratégia “direcional” – a tentativa de entender no curtíssimo prazo em que direção ia o país e, com ele, o pouco diversificado grupo de ações listadas em bolsa.
As estratégias de prazo mais longo só começaram a fazer sentido com a estabilização econômica, em meados dos anos 90, e a retomada do mercado de ofertas públicas, mais adiante, em 2004. Luís Stuhlberger, responsável pelo mítico fundo Verde, da CSHG, desde fins dos anos 90 construiu a sua história de gestão com base em uma observação cuidadosa do que se passa ao seu redor. Ele mesmo já disse que gestores e analistas muitas vezes gastam uma parte considerável de seu tempo conversando com seus próprios pares e se esquecem de olhar para fora. Stuhlberger é conhecido por empenhar seu tempo lendo toneladas de relatórios e conversando com seus clientes. E toda vez que volta de férias, ou dos seus fins de semanas, tem urna história interessante para contar.
Na avaliação dos gestores, embora longo, o caminho indica um maior número de empresas que devem procurar a bolsa como fonte de financiamento, reforçando a importância de análises mais abrangentes. “À medida que o investidor tiver que buscar alternativas ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário) para obter um retorno razoável, vejo mais empresas na bolsa”, diz Sancovsky, da Fama. Alguns preceitos básicos, alertam os especialistas, também precisam estar claros. Quem investe no mercado acionário não pode prescindir do trabalho técnico de avaliação dos fundamentos das companhias versus o potencial de retorno das ações, destaca Reginaldo Alexandre, presidente da seção São Paulo da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec).
É preciso investigar, por exemplo, a qualidade dos administradores, a estrutura de capital e o nível de alavancagem financeira da empresa. Após isso, confrontar com o valor atual de negociação do papel em bolsa e avaliar se a alta esperada é atraente o bastante. “Uma companhia pode ser excelente, mas suas ações estarem caras demais”, afirma o especialista. “De nada adianta um ótimo negócio se tudo já estiver refletido no preço (da ação).” Ricardo Humberto Rocha, professor de finanças do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, considera válido que os investidores fiquem atentos e procurem ter um olhar mais crítico sobre a qualidade do produto ou serviço prestado pela companhia, mas ressalta que se trata de algo complementar à decisão de investimento.
A determinação de aplicar ou não, na essência, deve partir do histórico e do potencial financeiro da empresa aliados a sua precificação no mercado. “Fora que o trabalho de campo não é tarefa fácil”, diz Rocha. “É preciso treino para distinguir o que seria mera empatia com o negócio de uma verdadeira vantagem competitiva”, emenda. Especialistas e gestores alertam também para o fato de que o mercado de capitais hoje é muito mais eficiente do que era no passado, quando se podia esperar uma empresa ser bem-sucedida em algum aspecto para logo depois comprar a ação.
Daí o tempo dedicado à observação de dentro e fora da planilha aparecer como uma questão fundamental a chancelar as convicções de cada um. A competição com equipes que fazem isso profissionalmente, com muito mais recur os disponíveis, é outro aspecto obviamente desigual. Iram Siqueira, gestor que completa o quarteto da CSHG, conta que todo ano viaja pelo menos uma vez à Ásia, onde estão os grandes consumidores de commodities.
“Quando vou à China, sempre participo de um congresso com 500 a 600 pessoas dos setores de siderurgia e mineração, no qual consigo sentir a temperatura do mercado”, afirma. “Essa é uma vantagem. Temos um orçamento para fazer coisas que urna gestora de menor porte talvez não tenha.” A inexperiência é outro forte empecilho. Na avaliação de Rocha, do Insper, trata-se de uma desvantagem que pode atingir até mesmo profissionais do ramo. “Os analistas (de investimento), por exemplo, são hoje muito jovens. Em geral, possuem uma boa formação técníca, mas alguns podem ser influenciados por certas crenças”, afirma. “Para garimpar empresas boas ou identificar negócios ruins é preciso ter uma visão mais ampla e madura.”
Alexandre, da Apimec, faz o contraponto. “Assim como os jovens (analistas) podem carecer de experiência, os mais velhos podem não ter a mesma capacidade de abstração”, argumenta. Em qualquer situação, porém, o especialista defende que a análise de investimento seja a mais abrangente possível. “Um aspecto pontual pode dar uma pista falsa sobre os negócios da empresa ou a ‘amostra’ escolhida pode não refletir bem o todo.” Pesando tudo, o investidor disposto a encarar o desafio de selecionar por sua própria conta e risco um grupo de papéis para investimento tem, portanto, muito a fazer. Ao seu alcance, os gestores lembram que a internet é uma excelente – e gratuita – ferramenta de pesquisa. “Antes de comprar uma ação porque ele [o investidor) viu em um fórum, bota no Google.
É o mínimo que ele pode fazer”, diz Braga, da CSHG. Outra sugestão é acessar o Formulário de Referência, bem mais completo do que o antigo arquivo de informações anuais (IAN). O documento público disponível no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou na própria página das empresas abertas oferece muito mais informações de qualidade, como, por exemplo, a estrutura de remuneração dos executivos ou operações com partes relacionadas. “O problema é que a pessoa física tem outros afazeres e normalmente não vai dedicar tempo suficiente para uma análise mais profunda. E tem que gostar também, pois dá trabalho”, comenta Rudge, da Leblon.
Na tentativa de obter informações valiosas na observação da “vida como ela é”, algumas coisas, porém, são condenadas pelos especialistas. Ultrapassar os limites da ética, tentar obter informações privilegiadas ou abandonar o bom senso são caminhos fora de cogitação. Sancovsky, da Fama, lembra que certa vez analisava uma empresa familiar que, no passado, havia enfrentado brigas entre os sócios. Como a ideia era obter diferentes visões sobre o que se passou, o controlador foi avisado que a gestora buscaria conversar com membros da família.
Os limites pessoais também devem ser respeitados. Tendo sob a guarda justamente os setores mais quentes quando o assunto é vida real – consumo, varejo, bancos, serviços financeiros, saúde e educação -, Braga, da CSHG, não se intimidou em adquirir uma miríade de cartões de varejistas, frequentar diversas feiras de franquias e interrogar lojistas a respeito da funcionalidade de suas maquininhas de cartões. Ousou até mesmo tentar entender o fascínio feminíno por sapatos. Na ânsia investigativa, chegou a pensar em se tornar consultor da Natura. E, bem, aí achou que seria demais …
A empresa do coração nem sempre é a do bolso
Em clube de investidoras não vale apaixonar-se por um papel sem os devidos fundamentos
“Quando vou a uma loja de sapatos ou a uma varejista, sempre penso na empresa como uma possibilidade de investimento”, diz Julia Mediei, há sete anos cotista de um clube de investimento formado só por mulheres. Experiente no mundo das aplicações e também nos assuntos do coração, o grupo tem as suas próprias regras quando a questão é gostar ou não de um papel. As decisões são tomadas em conjunto e há uma espécie de código de conduta coletivo que diz que é preciso tomar cuidado para não levar o investimento para o lado pessoal.
“Apaixonar-se pelo papel”, como dizem, é proibido se o sentimento não for acompanhado de muitos fundamentos que o justifiquem. Se algo não der certo, porém, sempre há um ombro amigo no qual encostar. “Investir em grupo é mais fácil, uma dá apoio à outra”, diz Julia. No clube. muitas das investidoras adoravam, por exemplo, Lojas Americanas. Conseguiram se desfazer do papel em um momento considerado oportuno, provando que a estratégia muitas vezes consegue ficar acima da emoção.
Segundo Julia, todas sabem que investir em ações requer tempo para analisar e acompanhar o papel. Do contrário, é melhor delegar a função a um especialista. Prova disso é a dinâmica do próprio clube, que já teve 140 investidoras. Atualmente, são cerca de 90 e, destas, apenas 20 participam ativamente. “O fato é que a maioria prefere mesmo delegar.” No início, em 2004, elas se reuniam em um grupo de estudo para discutir o aumento da participação das mulheres nos investimentos em bolsa. Mas, inspiradas pela experiência americana de fazer investimentos em companhias mais próximas do cotidiano, partiram para o mercado de ações.
Mesmo antes da diversificação maior de setores na bolsa, a partir de 2004, as decisões mais acaloradas eram permeadas de assuntos da vida real. Petrobras, por exemplo, fazia parte de uma carteira básica junto com Vale. Uma parte não queria investir na empresa de petróleo porque era pública e temia o chamado “risco político” do papel, ou seja, a interferência demasiada do governo nas decisões. Uma funcionária da estatal. no entanto, fazia parte do grupo e insistiu muito em favor da empresa, com argumentos técnicos. Conseguiu convencer o restante a investir.
O exercício de observação é frequente. “Algumas companhias atravessam momentos muito bons na bolsa, mas não temos porque não é o perfil de nenhuma de nós.” É claro que não é só isso. Balancetes, preço atraente, boa governança, posicionamento de mercado e percentual de crescimento são fatores que não saem do radar das investidoras. Mas o fato é que um serviço ruim ou desorganizado faz tocar o alarme nas decisões tomadas em conjunto.
Nos últimos anos, diz Julia, a carteira de ativos do clube apresentou uma forte rotatividade, mas a política de investimento é ficar pelo menos um ano com um papel. Em meados de fevereiro. o portfólio tinha, por exemplo, Lojas Marisa e Hering. “Adoramos também a Ambev. É ótima, trabalha redondo, dá lucro”, diz Julia. “Gostamos ainda de construtoras, embora não estejam muito bem. São empresas que crescem e não sofrem muito com a crise lá fora.”
Para Julia, o clube de investimentos incrementa sua vida, trazendo não apenas lucro. mas experiência. “Hoje, tenho um olhar mais crítico e sei que podemos mudar de opinião com relação a um papel”, afirma. “Já me decepcionei bastante com serviços de empresas que temos em carteira”, conclui, sem conseguir deixar o tom emocional completamente de lado.
Quase 140 empresas em 11 anos
Número maior de setores na bolsa brasileira ampliou o raio de ação dos gestores
A estratégia de observar aspectos da vida real e da rotina das companhias
em busca de sinais que possam nortear investimentos é algo relativamente novo no Brasil. E por motivos práticos: há pouco mais de 11 anos. metade da bolsa de valores se resumia a dois grandes setores. telecomunicações e o conjunto petróleo. gás e biocombustíveis. Com as instituições financeiras na conta. lá se vão 64% do IBrX.
indicador que reúne as 100 ações mais líquidas da BM&FBovespa – uma carteira teórica mais abrangente do que o lbovespa. dando a dimensão. portanto. da baixa diversificação dos índices em 2000. O mercado continua ainda bastante concentrado em termos de liquidez. mas
as 138 estreias ocorridas no pregão, desde 2004, ampliaram as opções de investimento. nos mais variados ramos de atividade.
No início de 2000, um velho conhecido dos gestores de recursos eram os famosos recibos de Telebras. uma cesta formada por ações de 13 companhias. sendo 12 holdings e a própria empresa que dava nome ao ativo. Em maio daquele ano. no entanto. houve uma separação e cada grupo de telecom passou a ser negociado individualmente. O setor dominava o IBrX na época, com fatia de quase 29%. Quatro anos depois, no entanto, muita coisa já havia mudado.
O peso das teles no indicador caiu quase à metade. cedendo espaço principalmente para os grupos de siderurgia e mineração. Começava a fase de retomada das ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) e os investidores tiveram contato pela primeira vez com empresas como Natura. Grendene, Gol e América Latina Logística (ALL).
Somente em 2007. o melhor ano desde o renascimento do mercado de capitais até agora. nada menos que 64 companhias desembarcaram na BM&FBovespa. Destas. 14 eram do ramo de construção civil. até então um nicho com presença tímida na bolsa. O pregão viu crescer ainda as representantes dos segmentos de alimentos. vestuário e transportes. e passou a conviver com empresas de educação, saúde. serviços financeiros e carnes. A fatia de telecom desabou para 5.4% do IBrX, enquanto o item “outros”. que era de 13,2% em 2004. subiu para 15,2%.
Neste início de 2012, o recorte com os setores mais importantes do IBrX já traz dois nomes que não tinham relevância quatro anos atrás: serviços financeiros (5%) e comércio (4.6%). O ramo de alimentos. bebidas e fumo dobrou sua fatia em relação a 2007, atingindo atualmente 10%. Telecom continua
em queda livre – com apenas 3% – e os bancos. ao contrário, consolidaram o seu domínio. representando hoje quase 26% do indicador.